Título: Chávez aumenta lista de desafetos
Autor: Galeno, Renato
Fonte: O Globo, 27/11/2007, O Mundo, p. 30

Para especialistas, presidente usa brigas externas para fortalecer suas bases.

CARACAS. A troca de insultos entre os presidentes Hugo Chávez e Alvaro Uribe foi apenas a última de uma série de ocasiões em que o mandatário venezuelano atropelou os princípios diplomáticos que regem as relações entre chefes de Estado e de governo. O "congelamento" das relações com a Colômbia, e também com a Espanha, é apenas mais um capítulo de uma lista que já tem presidentes de Estados Unidos, México, Peru e até mesmo o Congresso do Brasil.

Porém, especialistas acreditam que há mais nas ofensas de Chávez do que apenas efeitos colaterais da verborragia de um presidente boquirroto. Muitos afirmam que a escalada de tensões com outros países indica o uso de uma boa fórmula para angariar apoio interno: a cartada nacionalista.

- Essa é uma estratégia típica de governantes ao longo da História: inventar um inimigo externo para conquistar aprovação interna - disse ao GLOBO Leandro Area, cientista político do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Central da Venezuela. - É uma fórmula que está sempre à mão, e que é especialmente usada quando o governante se sente inseguro.

Apelos nacionalistas para obter apoio interno

Domingo, Chávez afirmou que Uribe é "mentiroso" e "indigno", e não quer a paz no conflito interno com as Farc por "pressões da oligarquia colombiana, do império americano e dos militares colombianos". Ele disse que os colombianos merecem "um melhor presidente" e chegou a alertar militares venezuelanos para uma possível invasão da Venezuela por americanos a partir do território colombiano.

Uribe, por sua vez, acusou Chávez de apoiar a criação de um governo terrorista na Colômbia e de criticar o "império dos EUA" ao mesmo tempo em que tem ações imperiais expansionistas no continente.

No mesmo discurso em que insultou Uribe, Chávez também anunciou que congelou as relações com a Espanha, e que elas ficarão assim até que o rei Juan Carlos peça desculpas por ter mandado o venezuelano se calar. Desconhecendo o significado do termo "congelar", inexistente na tradição diplomática, a Chancelaria espanhola convocou ontem o embaixador venezuelano em Madri para perguntar o que isso significa.

- Essa decisão foi apressada e contrária ao interesse nacional. A relação comercial entre Venezuela e Colômbia ultrapassa US$5 bilhões - diz o professor de relações internacionais Carlos Luna, da Universidade Metropolitana de Caracas.

É possível, no entanto, enxergar uma lógica nos últimos embates de Chávez. Venezuela e Colômbia têm uma rivalidade histórica. A última crise diplomática entre os dois países ocorreu há 20 anos. Em 1987, depois que corvetas militares colombianas entraram no Golfo da Venezuela, a relação entre os dois países foi suspensa, só voltando à normalidade em 1989. Segundo Area, no entanto, a troca de insultos "nunca foi tão grave como agora":

- A utilização do sentimento anticolombiano na Venezuela pode fazer com que indecisos possam votar a favor da reforma constitucional.

Especialista em nacionalismo, a historiadora Mônica Leite Lessa, da Uerj, enxerga uma gama maior de fatores que indicaria uma consciente utilização de sentimentos nacionalistas nas ações de Chávez.

- Acho que a força política dele é extremamente nacionalista, desde sempre - diz ela.

Chávez tem dito que "sem consciência não há povo", afirmando que é preciso haver uma "consciência de um passado comum" e "projetar um caminho por onde marchar".

- Passado comum e querer ficar juntos, ter um futuro unidos... é claramente um discurso nacionalista - disse Mônica Lessa.

Na reta final da campanha eleitoral, Chávez tem citado repetidas vezes que transformará a Venezuela numa "potência mundial". E uniu a suas diárias referências a Simón Bolívar uma polêmica tese: ele teria sido assassinado.

- É preciso ter o seu próprio herói. Isso é, claramente, um apelo nacionalista - afirmou Mônica.

Porém, como Bolívar também é um símbolo nacional colombiano, a troca de ofensas entre Uribe e Chávez acabou com uma discussão sobre o "libertador".

- A verdade é que Bolívar, o libertador, foi um integracionista. Não um expansionista - disse Uribe a Chávez, domingo à noite. (R.G.)