Título: No caso do Brasil, copo está meio vazio
Autor: Beck, Martha; Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 28/11/2007, Economia, p. 24

AVANÇOS E DESAFIOS: Especialista afirma que maior problema é a educação e cita a deficiência de professores

Apesar de atingir alto IDH, assessor do Pnud diz que país precisa melhorar saneamento e combate à mortalidade infantil

BRASÍLIA, RIO e PORTO ALEGRE. O ingresso do Brasil no clube dos países de alto desenvolvimento humano está longe de significar condições ideais - ou até mesmo aceitáveis - de vida para boa parte da população brasileira, dizem especialistas. O assessor especial do Pnud e especialista em desenvolvimento humano, Flávio Comim, lembra que uma simples comparação com os vizinhos da América Latina que já tenham alto IDH mostra que o Brasil fica atrás em, pelo menos, cinco quesitos: pobreza, desigualdade, saneamento, mortalidade infantil e mortalidade materna.

- Se eu tivesse que dizer se o copo está meio cheio ou meio vazio no caso do Brasil, eu diria que ele está meio vazio - afirmou Comim, lembrando que o índice de pobreza no Brasil é de 9,7%, contra 6,8% no México e 3,7% no Chile.

"Não devemos nos impressionar com resultado"

A economista Lena Lavinas acrescenta que o IDH é um índice eficaz para avaliações internacionais. Porém, explica pouco da realidade brasileira, marcada por grande informalidade, empregos precários e elevado déficit habitacional.

- Achar que agora fazemos parte do pelotão de países dotados de bem-estar é um tamanho equívoco. Não devemos nos deixar impressionar com esse resultado - disse Lena.

Sonia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), avalia que, nas três dimensões mensuradas pelo IDH - renda, saúde e educação - o maior desafio do Brasil está na educação. Na saúde, há deficiências de gestão e eficácia do sistema. Mas há considerável volume de gastos públicos nessa área, o nível tecnológico do Brasil é bom e há exemplos de sucesso na área, como as campanhas de vacinação.

- Na educação, o quadro é mais complexo. Há deficiências sérias no pessoal docente. As crianças chegam na escola na idade correta e muitas saem sem aprender nada - diz Sonia, acrescentando que o IDH mede apenas o acesso à educação, mas não a qualidade do ensino.

O ganho de renda é o que mais explica a melhora recente do IDH do país. A gaúcha Maria Salete Oliveira dos Santos, de 54 anos, se beneficiou em diferentes frentes com o maior poder de compra dos brasileiros. Responsável pelos serviços gerais de um imóvel que abriga pequenas empresas de prestação de serviços, há um ano e oito meses ela concilia o emprego com o trabalho de faxineira. Aproveitando a alta no consumo dos brasileiros, ganha ainda com a venda de panquecas, pão caseiro, conservas e doces.

Com o orçamento reforçado, Salete pôde comprar um berço e um armário para o neto Davi, que ainda vai nascer. A filha Karen, de 23 anos, desempregada, está grávida de nove meses e mora com Salete. Hoje ganhando cerca de R$700 por mês, Salete retomou ainda o hábito de passar férias em Camboriú, litoral de Santa Catarina.

Mas, a partir dos dados do Pnud, é possível detectar a dificuldade de o Brasil em transformar riqueza econômica em bem-estar social. Isso é medido pela distância entre IDH e Produto Interno Bruto (PIB). Segundo Comim, do Pnud, o Brasil apresenta grande defasagem nessa comparação. Considerando a renda per capita da população, o Brasil ocupa hoje a 67ª posição no ranking mundial. Já no IDH, a colocação é a 70ª. Em Cuba, essa diferença é de 43 posições, mas a favor do IDH.

E o Brasil tem outro desafio: a desigualdade. Claudio Dedecca, da Unicamp, lembra que as nações que ocupam os primeiros lugares nos quesitos de bem-estar social não exibem as disparidades regionais que o Brasil enfrenta. Para ele, o país deve continuar melhorando a expectativa de vida ao nascer, por ser um indicador que apresenta resultados mais rapidamente.