Título: Sua excelência, o pelego
Autor: Pinto, Almir Pazzianotto
Fonte: O Globo, 29/11/2007, Opinião, p. 7

Compreende-se a obstinada rejeição de dirigentes à proposta de tornar facultativo o pagamento da Contribuição Sindical. Afinal, como escreveu Goethe, não podemos esperar que os vícios sejam combatidos por quem deles se aproveita.

Os mesmos dirigentes se opunham à extinção dos representantes classistas. Durante décadas, a Justiça do Trabalho conviveu com juízes e ministros leigos, indicados por entidades de classe.

Abusos praticados com a designação de pessoas destituídas de qualificações intelectuais mínimas para o exercício da missão de julgar geraram crescentes ondas de indignação, que culminaram com a eliminação da representação paritária por emenda à Constituição de 1988. À época dos classistas, não era raro se encontrar o sindicalista nos portões de alguma indústria, de manhã, a distribuir panfletos incendiários, propondo a ocupação da empresa e a derrubada do capitalismo. Após almoçar (com o dinheiro do Imposto Sindical), o mesmo dirigente se encaminhava à Junta de Conciliação e Julgamento, ou ao Tribunal, para subscrever sentença proferida pelo juiz vitalício. Desaparecia o revolucionário, para ceder a vez ao burocrata pago pelo contribuinte.

É unânime, hoje, o reconhecimento de que a Justiça do Trabalho nada perdeu, e ganhou em qualidade, velocidade e economia com a ausência de falsos representantes de empregados e empregadores.

Contribuição Sindical e sindicato único têm sido instrumentos do peleguismo, que contamina a estrutura associativa desde o Estado Novo. Converter a obrigatoriedade do pagamento da Contribuição Sindical em livre escolha do empregado significa avançar um passo no sentido da instituição da liberdade sindical, medida de cunho profilático destinada a erradicar, da convivência entre trabalhadores e patrões, a erva daninha do peleguismo.

O mais pífio dos argumentos em defesa da obrigatoriedade consiste em dizer que, sem a Contribuição obrigatória, toda a estrutura confederativa virá abaixo e se reduzirá a pó. Tenho comigo o volume 15/1 dos Arquivos do Instituto de Direito Social, relativo a dezembro de 1963! O artigo de capa, do professor Cesarino Júnior, trata, precisamente, da "Supressão do Imposto Sindical". A matéria diz, no primeiro parágrafo: "O imposto sindical tem sido combatido desde a sua criação, entre nós, pelo DL nº 2.377, de 8 de julho de 1940. A campanha contra ele se acentuou após a queda do Estado Novo, em 1945, e a conseqüente promulgação da Constituição Federal de 18 de setembro de 1946." Entre os que combatiam o pagamento coercitivo sempre esteve o insuspeito Evaristo de Moraes Filho, que, na Exposição de Motivos ao anteprojeto de Código do Trabalho, elaborado em 1963, escreveu: "O Imposto Sindical é o caldo de cultura dos falsos líderes sindicais. Com dinheiros alheios, locupletam-se os cofres dos sindicatos, tornando desnecessário qualquer esforço de conquista de prestígio pelos dirigentes sindicais."

Apesar da fuga dos associados, o número de sindicatos tem crescido de maneira anormal. A afirmação é do deputado Ricardo Berzoini, dirigente bancário e presidente do PT, na Exposição de Motivos do projeto de lei de relações sindicais, remetido pelo presidente Lula ao Congresso Nacional. O motivo reside na fragmentação de entidades preexistentes, pelo desejo de participação no rateio da Contribuição Sindical. Como escreveu Berzoini, estamos diante do fenômeno da "proliferação de sindicatos cada vez menores e menos representativos, o que reitera a necessidade da superação do atual sistema, há anos criticado por sua baixa representatividade e reduzida sujeição ao controle social".

Tornar facultativo o pagamento do velho imposto é medida da qual não se pode esquivar o Senado, a menos que resolva manter os olhos fechados a velhos erros, ignorar novas e desafiadoras realidades, e permanecer alheio à exploração desonesta das classes trabalhadoras.

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.