Título: Propina em até 10 vezes no cartão
Autor: Vasconcellos, Fábio; Ramalho, Sérgio
Fonte: O Globo, 29/11/2007, Rio, p. 15

Nas negociações, acusados se referiam a dinheiro como "bola de golfe".

A ligação dura pouco mais de 3 minutos. Tempo suficiente para um fiscal oferecer a um empresário o parcelamento da propina em dez vezes, no cartão de crédito. A conversa integra as 2.053 horas de interceptações feitas pelos promotores envolvidos na investigação sobre as fraudes na Secretaria estadual de Fazenda. O monitoramento das ligações começou há dez meses. Nesse período, os promotores conseguiram detalhar o esquema montado pelos 13 fiscais que tiveram as prisões decretadas pela Justiça. Chefe do grupo segundo denúncia do MP, Chico Olho de Boi negocia pagamentos de propina, a transferência de fiscais para inspetorias e até menciona os planos para colocar o filho em seu lugar na secretaria.

Numa das conversas, interceptada a pedido do MP, o fiscal Cândido Álvaro Pereira Machado oferece ao empresário identificado apenas como Antônio Carlos uma forma de parcelar o pagamento da propina. O empresário demonstra embaraço com a proposta e diz que vai pensar. O fiscal insiste, pergunta se Antônio possui um determinado cartão de crédito e sugere a compra de uma televisão, que poderia ser parcelada em até dez vezes, sem juros.

As escutas revelam que o esquema montado pelos fiscais conta com colaboradores, que atuam como intermediários junto aos empresários e contadores. Um deles é identificado como Alci São Tiago. Num telefonema de um minuto, ele acerta com o contador Antônio Carlos Corrêa Pena o pagamento de propina para conseguir a liberação de um documento da secretaria de Fazenda. Na gravação, o contador avisa a Alci que vai levar o cliente ao encontro. Alci, então, diz que o documento vai sair a "um ponto zero" (R$1 mil). Alci argumenta, lembra que estão todos trabalhando e aumenta para "um ponto cinco" (R$1,5 mil) .

O monitoramento das conversas revela ainda que os envolvidos no esquema usavam códigos para se referir ao pagamento de propina, evidenciando a preocupação com possíveis escutas. Nas ligações, há referências a dinheiro como "biela", "bola de golfe" e "bola de tênis". O código é usado, por exemplo, numa conversa entre um comerciante identificado como Barreiro e um fiscal, como Paulo. Na ligação, barreiro diz que não conseguiu as "bolas de golfe" e pede para entregá-las no dia seguinte.