Título: Um esquema de R$1 bilhão
Autor: Vasconcellos, Fábio; Ramalho, Sérgio
Fonte: O Globo, 29/11/2007, Rio, p. 15

MP desarticula grupo de fiscais corruptos que cobravam propina de empresários sonegadores.

Após dez meses de investigações, promotores da Coordenadoria Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Coesf) desarticularam ontem um milionário esquema de corrupção montado por fiscais de renda da Secretaria estadual de Fazenda. A fraude envolvia 78 empresas, que deixaram de recolher, somente no último ano, R$1 bilhão aos cofres do estado - cerca de 20% do valor (R$200 milhões) teriam sido embolsados pelos fiscais. A Operação Propina S/A resultou na decretação de 31 mandados de prisão (contra 11 fiscais e 20 empresários, contadores e colaboradores) e 106 de busca e apreensão. A pedido do Ministério Público, a Justiça determinou ainda o afastamento de outros dez fiscais de renda suspeitos de participarem do esquema. Até o fim da tarde de ontem, um fiscal, um empresário, dois contadores e dois colaboradores não tinham sido localizados.

Citado como chefe do grupo, o fiscal Francisco Roberto da Cunha Gomes, conhecido como Chico Olho de Boi, foi preso no Aeroporto Internacional Tom Jobim. Francisco Roberto aguardava o embarque para Manaus (AM), quando foi surpreendido pelos policiais, que o seguiram da Barra da Tijuca até o aeroporto. Desde a noite de anteontem, havia a suspeita de que o fiscal se preparava para fugir do país. Com ele, os policiais encontraram uma bolsa com R$20 mil, em espécie.

Francisco Roberto chegou a comandar, por três dias, a Inspetoria de Grande Porte, logo após o afastamento de Rodrigo Silveirinha, subsecretário da Fazenda durante o governo Anthony Garotinho, condenado a 20 anos de prisão por participação no escândalo do Propinoduto, esquema que desviou, em 2002, cerca de US$33,4 milhões. Os acusados da Propina S/A serão denunciados por crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, sonegação e corrupção passiva e ativa.

Empresários pagavam "mensalão"

De acordo com as investigações do Ministério Público, o grupo de Chico Olho de Boi cobrava propina de empresários, permitindo a sonegação de tributos. Além disso, prestava consultoria a empresas com pendência fiscal. Na casa de Francisco, na Barra, os policiais encontraram US$40 mil. Já na residência do fiscal José Meirelles Leitão, na Ilha do Governador, foram achados R$289 mil, em espécie. Os promotores ainda não sabem quando o esquema foi montado na secretaria, mas há indícios de que exista há muitos anos. A maioria dos fiscais trabalha há pelo menos 15 anos nas inspetorias.

Segundo um relatório preparado pelo MP, as empresas que pagavam propina aos fiscais são dos setores farmacêuticos, de informática e autopeças. Estão localizadas em Botafogo, Bonsucesso, São Cristóvão, Penha, Centro e Copacabana. Interceptações de conversas telefônicas autorizadas pela Justiça revelam que os fiscais aceitavam cartão de crédito. Alguns dos representantes das 78 empresas investigadas pagavam quantias mensais, numa espécie de mensalão.

No relatório das investigações, os promotores afirmam que o grupo montou uma "organização criminosa" que há muitos anos vem causando "sangria dos cofres públicos". O volume de dinheiro movimentado pelo esquema ilegal foi classificado pelo procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Vieira, como três vezes superior ao desviado no Propinoduto. Prova disso são as remessas de dinheiro para contas bancárias no exterior e empresas offshore.

Uma das contas estaria em nome de Francisco Roberto, no Espírito Santo Bank, em Miami (Estados Unidos). A informação foi repassada aos promotores pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que também relacionou Paulo Roberto Mello, ex-sócio da empresa GAP Participações, como mandante de 169 transferências bancárias à empresa Lespan S/A, offshore com sede em Montevidéu, no Uruguai. A GAP tem como sócio o filho do fiscal Francisco Roberto.

- Estamos diante de uma das maiores operações contra a corrupção no estado. Esse caso é três vezes maior que o Propinoduto e é resultado da integração entre o MP e as secretarias de Fazenda e Segurança Pública - disse o procurador.

O Ministério Público já acionou o Ministério da Justiça para ajudar nas investigações no exterior. Os promotores estão atrás de mais pistas de onde parte do dinheiro desviado foi depositada. Os mandados de busca e apreensão de ontem foram determinados pelo juiz Luiz Mário Victor Alves Pereira, da 33ª Vara Criminal. Foram apreendidos imóveis, carros de luxo e uma lancha de 37 pés. Várias contas bancárias, com até R$1 milhão em depósitos, foram bloqueadas. Houve ainda a ajuda do Ministério Público de São Paulo, que realizou uma ação de busca e apreensão num escritório na capital. O material será enviado para o Rio.

Pelas investigações, Chico Olho de Boi seria dono de uma casa no Itanhangá, avaliada em R$4 milhões. Um outro imóvel em Angra dos Reis, que está em nome da empresa GAP, teria sido vendida por US$800 mil para um "laranja" do traficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia, preso pela Polícia Federal em setembro. Num dos grampos telefônicos, Chico Olho de Boi se mostra preocupado com a negociação. Por telefone, o fiscal avisou a uma namorada que eles poderiam ter que antecipar uma viagem que fariam. Francisco alegou que estava preocupado com a situação do filho Alexandre de Thuin da Cunha Gomes.

Em outra intercepção telefônica, os promotores descobriram que o grupo depositou R$50 mil na conta do "laranja" do traficante colombiano. Os promotores ainda não sabem qual teria sido o motivo do depósito. A investigação do MP começou depois que O GLOBO publicou, no ano passado, uma reportagem mostrando que as 150 maiores empresas do estado sonegavam anualmente R$1,2 bilhão. Na mesma reportagem, o jornal revelou que vários fiscais de renda ficavam até 500 dias fiscalizando uma mesma empresa, sem apresentar relatório conclusivo. Na mesma semana, o MP a o então secretário estadual da Receita, Antônio Francisco Neto, hoje presidente do Detran, anunciaram a criação de uma força-tarefa para investigar as fraudes. Chico Olho de Boi também foi investigado este ano pela CPI da Arrecadação da Alerj, que identificou uma perda de R$5 bilhões na receita de impostos entre 2003 e 2006.

O montante sonegado de impostos, segundo o secretário estadual de Fazenda, Joaquim Levy, daria para pagar seis meses de salários de professores. Levy acrescentou que as investigações terão agora uma segunda fase:

- As investigações estão apenas começando. Agora, será a segunda etapa, que é aprofundar a análise dos documentos apreendidos.

O chefe da Coordenadoria de Segurança e Inteligência do MP, Astério Pereira dos Santos, disse que o caso é uma das maiores investigações realizadas pela unidade. A operação de ontem contou com 360 homens e 85 viaturas.

- Foi certamente uma das maiores investigações realizadas no estado, porque contou com vários órgãos e secretarias do estado - afirmou Astério.