Título: Braços cruzados contra Morales
Autor: Galhardo, Ricardo; Valente, Leonardo
Fonte: O Globo, 29/11/2007, O Mundo, p. 32

Greve de estados mais ricos contra nova Carta paralisa Bolívia e governo reage com manifestação.

A greve geral ocorrida ontem em seis dos nove departamentos da Bolívia evidenciou a profunda polarização do país entre manifestantes pró e contra o governo do presidente Evo Morales. Com exceção de Santa Cruz, bastião da oposição, e Chuquisaca, cuja capital é Sucre, palco de conflitos que deixaram quatro mortos no fim de semana, onde a adesão foi quase total, em Cochabamba, Tarija, Beni e Pando a greve vigorou nos centros urbanos, mas teve baixa adesão nas zonas rurais, onde Morales tem forte apoio popular. Em algumas cidades foram registrados conflitos entre manifestantes.

Convocada com o objetivo de repudiar a aprovação em primeira instância da nova Constituição boliviana sem a participação da oposição e prestar solidariedade à população de Sucre, a greve acabou transformada em um palanque para a oposição a Morales. Temas como a autonomia dos departamentos em relação a La Paz e a aprovação - também sem a participação da oposição - de uma lei que prevê auxílio financeiro aos idosos entraram na pauta por iniciativa dos governadores.

Cidade mais rica da Bolívia e centro da direita que faz oposição a Morales, Santa Cruz de la Sierra parecia uma cidade fantasma. Até bairros populosos como La Pampa de la Isla, onde Morales tem apoio da população, aderiram à greve.

- Acatamos tudo o que manda o Comitê Cívico - disse o líder comunitário Xavier Vásques.

Manifestantes pró e contra Morales trocaram ofensas, socos e pontapés nos bloqueios feitos pelos grevistas na cidade. Comerciantes que insistiram em abrir as portas foram agredidos com pedradas pelos grevistas. Jovens separatistas radicais do grupo União de Santa Cruz, percorreram a cidade de motocicletas para garantir o fechamento do comércio.

Morales reúne milhares em La Paz

A paralisação travou o país. As principais rodovias foram bloqueadas com barricadas. Postos policiais foram tomados por manifestantes que baixaram as cancelas, impedindo o trânsito de veículos. Com apoio de sindicatos de condutores e caminhoneiros, as principais ruas e praças das cidades grevistas foram bloqueadas.

- Nosso próximo passo é organizar um referendo no dia 14 de dezembro para aprovar a Carta Autonômica, que para nós terá força de uma Constituição de Estado. Não vamos acatar a nova Constituição boliviana e já nos preparamos para uma ofensiva armada do governo - disse Sergio Antelo, líder do movimento Nação Camba, de tendência separatista.

Em La Paz, Morales contra-atacou reunindo milhares de camponeses na praça central para anunciar a aprovação da lei da velhice e dignidade. Os "ponchos rojos", camponeses provenientes da região do Altiplano, ligados a Morales, se declararam guardiões das mudanças e da nova Constituição. Morales disse que a greve é mais um ataque da elite às mudanças propostas pelo governo.

-- A greve é contra a renda de dignidade, é contra as mudanças econômicas, contra a nacionalização dos hidrocarbonetos e em defesa do modelo neoliberal - disse.

Em Sucre, houve pelo menos 90% de adesão à greve, segundo o Comitê Interinstitucional que tomou o poder em Chuquisaca desde que o governador David Sanchéz sumiu, no domingo. Restaurantes, lojas e bares da cidade turística permaneceram fechados durante todo o dia. Embora todas as ruas principais estivessem bloqueadas, poucos protestos ocorreram na cidade. O principal motivo de temor da população é a ausência da polícia, que deixou a cidade no domingo por falta de condições de segurança. Embora o Ministério de Governo tenha ordenado o retorno dos efetivos a Sucre ontem, um grupo de 500 policiais permaneceu acampado a 14 quilômetros de Sucre. Um grupo de representantes do comitê foi até o local negociar a volta da polícia à cidade mas até o final da tarde não houve acordo.