Título: Aqui não tem a cultura do risco
Autor: Alves, Cristina; Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 30/11/2007, Economia, p. 37

Novo "magnata do petróleo", Eike Batista diz que sua filosofia é "endinheirar a natureza".

Com 30 anos de experiência em mineração, o empresário Eike Batista, de 50 anos, diz que está acostumado a procurar agulha em palheiro, a correr riscos. Por isso, acredita, foi o grande vitorioso do leilão de petróleo e gás esta semana. "O segredo é sair fora da caixa, fazer o que ninguém está fazendo". Quando soube que com petróleo era mais fácil ganhar dinheiro que com ouro, abriu a OGX. Suas empresas, aliás, tem "X" no nome para multiplicar riqueza. Supersticioso, ele adora o 63, número de sua lancha. Usou o 63 em todos os lances que deu. De 25, venceu 21. À frente de um império avaliado em US$15 bilhões, Eike investirá US$400 milhões para furar poços. "Empresário brasileiro não tem a cultura do risco", alfineta ele, filho de Eliezer Batista, grande estrategista da Vale. Com duas empresas - a LLX (logística) e a MPX (energia) - em processo de abertura de capital, Eike se prepara para entrar, em dezembro, com o barco "Pink Fleet", de passeios turísticos, na Baía de Guanabara.

Cristina Alves, Ramona Ordoñez e Maria Fernanda Delmas

A sua empresa OGX foi o grande destaque do leilão de petróleo e gás esta semana, num investimento de R$1,5 bilhão, e o senhor diz que pagou barato. Em um dos casos, o lance mínimo era R$5 milhões e a oferta foi de R$344 milhões...

EIKE BATISTA: Temos nossa metodologia de avaliação. A gente tem know-how em recursos minerais. Ouro e platina são os metais mais raros da terra. A taxa de acerto de pesquisa em ouro é de 17 mil para um. Viemos de uma cultura de mineração, de achar agulha no palheiro... A Vale não tem mais ouro. Eu construí oito minas de ouro na minha vida. A partir de 2000, começamos a abrir o leque. Quando o Landim (Rodolfo Landim, ex-Petrobras) veio para o grupo (para a MMX), eu perguntei: "Rodolfo, me conta como é esse negócio no Brasil...." O que me chamou a atenção foi quando ele disse que a taxa de acerto no Brasil era de 30% nos campos offshore (no mar). Ou seja, de cada dez furos que faço, três eu acerto. A média mundial é de 17% a 19%. Ou seja, aqui é quase o dobro da taxa média mundial. Isso é melhor do que tudo que eu vi na minha vida.

Foi a partir dessa constatação que o senhor se interessou em investir em petróleo?

EIKE: Foi. Isso aqui, para mim, não é risco. Acho que o empresário brasileiro não tem a cultura do risco. Porque, se tivesse, outras empresas já teriam participado dos leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que existem há dez anos.

E por que o senhor acha que o empresário brasileiro não tem essa cultura? É por que o Estado brasileiro é paternalista?

EIKE: É... Na área de energia, os empresários construíam as coisas e ligavam a tomada em Itaipu, em Tucuruí. Eram projetos gigantes em abundância. Na área de mineração, criaram a Vale do Rio Doce, e a CPRM era a empresa de pesquisa que gastava no risco. Depois da jazida descoberta, é fácil. Cadê o empresário que apostou no risco?

O que vocês avaliam de potencial nessas áreas?

EIKE: Avaliamos todos os blocos, e o potencial de descoberta nos nossos campos é de 6 bilhões de barris. Com taxa de acerto de 30%, temos entre 1,8 bilhão a 2 bilhões de barris no bloco. Depois das descobertas - porque vamos gastar US$400 milhões fazendo quase 30 furos - uma companhia (a OGX) dessas teria um valor de US$40 bilhões...

As áreas foram subavaliadas?

EIKE: Geologia é uma ciência interpretativa. As equipes da ANP e das empresas de petróleo vão ter avaliações diferentes. É da equipe. Quando a gente contrata os profissionais, avalia e tem que acreditar no que eles estão te dizendo.

Então valeu o investimento nos executivos que o senhor trouxe da Petrobras, como o Landim, o Francisco Gros, o Paulo Mendonça?

EIKE: Falo mais do pessoal técnico, porque são eles que avaliam, que fazem a leitura da sísmica. Mas só depois de furar é que vou realmente saber se vou ter produção de fato.

Quantas pessoas estão trabalhando com o senhor e que eram da Petrobras?

EIKE: Acho que tem uns 12.

O senhor achou certo o governo retirar os 41 blocos próximos ao campo de Tupi?

EIKE: O governo fez certíssimo em retirar para reavaliar. É uma riqueza muito grande. Qualquer país do mundo ia fazer isso. Agora, é só colocar as regras claras de novo.

Como administrar negócios tão diferentes, como mineração, energia, logística e entretenimento?

EIKE: Da minha mãe, que era alemã, a gente aprendeu a disciplina. O esporte me obrigou a ser perfeccionista, perseverante, senão você não completa nada. E admitir alguns fracassos. Um exemplo foi o do jipe JPX, que os franceses queriam com o motor deles. O segredo é montar a equipe adequada, a melhor que for, não importa o quanto ela custa: US$200 mil, US$500 mil, US$1 milhão... Nós dirigimos riqueza de uma forma diferente no Brasil. Quando uma empresa abre capital, normalmente os executivos ganham opções de ações. O (empresário) brasileiro não corta na carne para distribuir riqueza. Eu diminuo minha participação na empresa para passar para os executivos, tiro do meu. Se ele ficar na companhia por cinco, seis anos, vai ficar muito rico. Muita gente é contratada com hiring bonus (passe).

Quantas horas o senhor trabalha por dia para tomar conta de tudo?

EIKE: O suficiente. Mas como todo mundo (os executivos) é sócio, eu dou autonomia enorme. Se alguém me diz que é melhor sair de um projeto de US$100 milhões, mesmo que já tenha gasto US$70 milhões, não tem problema. Mas, para tudo isso, você tem que ficar concentrado em um só lugar. O olho do dono é importante.

E o senhor fala com eles a qualquer hora? Liga à 1h da manhã?

EIKE: Ah, falo. É uma das condições ao contratar.

A sua empresa, a EBX, foi expulsa da Bolívia no início do governo Evo Morales. O senhor ainda quer voltar? Qual sua avaliação sobre a nacionalização das reservas no país?

EIKE: Entendo o que ele (Evo) fez como alguém que quis acabar com a espoliação absurda de 500 anos. Morales vem de uma linha radical revolucionária, de apagar o passado, zerar tudo, mas ele já percebeu que não tem quadros técnicos nem capital para continuar gerando riquezas. Ele quer ficar com 51% do capital, e o investidor privado fica com o resto. Na administração, eles já aceitam o contrário, 51% dos parceiros e eles com 49%.

O senhor vai voltar, mesmo tendo sido expulso?

EIKE: Não fui expulso, entrei na panela como todo mundo. Mas existe diálogo para voltar (há técnicos de Eike este mês conversando na Bolívia). Eu ia colocar a Bolívia no mapa siderúrgico mundial, caramba! Já fizemos investimentos de US$70 milhões e faltam US$15 milhões.

Se o negócio em petróleo é tão atrativo, a Petrobras não está avaliando erradamente?

EIKE: O Brasil é tão grande... Acho que a Petrobras é um dos maiores investimentos do país. Eu mesmo sou acionista da Petrobras. Mas gostaria que ela voltasse a ter uma administração mais por meritocracia.

Como é sua relação com os sócios?

EIKE: Na maior parte das vezes eu coloco a metade do dinheiro, ou menos, e fico com 70% do negócio, devido a nossa expertise diferenciada. Mas acho que eles não têm do que reclamar. O acionista que entrou na MMX ganhou três vezes e meia em dólar em um ano e meio. No caso da OGX, já largamos com dois sócios, a Maersk (dinamarquesa) e a Perenco (Bahamas). E dez outras empresas já estão nos procurando.

Muitos empresários reclamam da carga tributária, de gastos públicos. O senhor concorda?

EIKE: Então manda eles irem para o Canadá... Quando todo mundo estiver pagando a conta, aí você vai ver todo mundo se organizar. É que aqui a maior parte não paga.

Os empresários também reclamam da concorrência com a China...

EIKE: Acho que todo mundo tem que fazer aquilo para o qual tem vocação. Não queira fazer coisas que outros países já fazem muito bem. O Brasil tem área, sol, fotossíntese e água. Nisso, não tem jeito de competir com o Brasil. Um dia, uma tonelada de computador vai valer menos do que uma tonelada de soja. Então, "tchau" computador. Compra, não faz. Isso não quer dizer que o Brasil não vai fazer coisas de alta tecnologia... O país tem centros de excelência, tipo Embrapa. Estamos investindo em sequestro de carbono. Tem umas algas marinhas doidas, que comem carbono. E ainda viram biodiesel...

Qual é sua filosofia de trabalho?

EIKE: Criar riquezas, transformar natureza, como minérios, ouro, petróleo e biomassa, endinheirando a natureza.