Título: O dia do não
Autor: Galeno, Renato
Fonte: O Globo, 30/11/2007, O Mundo, p. 43

Estudantes tomam centro de Caracas na maior manifestação contra a reforma de Chávez.

Em vez do "vermelho, vermelhinho" chavista, uma mar de cores. Tradicional ponto de encontro de chavistas, a Avenida Bolívar, no centro de Caracas, foi tomada ontem à tarde por adversários da reforma constitucional proposta pelo presidente venezuelano. A passeata reuniu dezenas de milhares de estudantes e outras pessoas contrárias à mudança da Carta Magna, que será levada a referendo domingo. Foi a primeira manifestação de grande porte realizada nesta avenida desde que Hugo Chávez chegou ao poder, há nove anos - e também a maior da oposição desde 2002.

Como têm feito desde que começaram as manifestações estudantis, o protesto foi marcado pelo distanciamento dos jovens dos partidos políticos. O tom da passeata foi dado pelo presidente do centro estudantil da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB), Freddy Guevara:

- O que queremos é um país que não repita os erros do passado. O que queremos é um país que não repita os erros do presente.

Havia muito mais bandeiras e camisetas da seleção de futebol da Espanha do que de legendas políticas opositoras do governo. Uma forma de lembrar a frase do rei Juan Carlos a Chávez durante a reunião de cúpula ibero-americana no Chile, motivo também de muitas camisetas usadas pelos jovens ontem: "Por que NÃO se cala?", num jogo de palavras com o pedido de voto dos estudantes.

"Pátria, democracia e vida", gritavam

O bom humor foi a tônica. Cartazes com o rosto de Chávez desfigurado por ferramentas de computador, feitos por estudantes de informática, traziam a frase: "não à deforma", modo irônico de reclamar das mudanças que, segundo eles, a reforma provocaria na Constituição de 1999.

Até mesmo a violência policial contra estudantes que tem ocorrido em várias universidades nos últimos dias foi motivo de brincadeiras. Estudantes da UCAB foram à marcha com capacetes usados por operários de obras.

- É para evitar balas de borracha. Mas as meninas também acham que fico muito bonito de chapéu - disse o estudante Rodrigo Fernández.

Outra ironia ao governo motivou o grito de guerra mais usado pelos estudantes: "sem ônibus, sem ônibus". Era uma referência ao fato de a oposição acusar o governo de trazer milhares de ônibus com manifestantes em suas marchas, muito deles com funcionários públicos obrigados a participar das passeatas pelos chefes.

- Chegamos à Avenida Bolívar! O povo caraquenho está dizendo que não. Não à opressão, não ao abuso de poder, não ao totalitarismo - afirmou Freddy Guevara. - Esta é uma reconquista do povo, não é uma reconquista da oposição. Assim tem que ser a Venezuela. As ruas são de todos.

Muitos jovens também utilizavam camisetas com o símbolo da RCTV, emissora tirada do ar pelo governo em maio. Na verdade, o início do atual movimento estudantil veio com os protestos contra o fechamento da RCTV.

Alguns cartazes também se referiam à frase que encerra os discursos do presidente, e que agora é obrigatório até nos quartéis das Forças Armadas, "pátria, socialismo ou morte". Na passeata do "não", a frase foi transformada em "pátria, democracia e vida".

Líderes estudantis, como Ricardo Sánchez, presidente do centro estudantil da Universidade Central da Venezuela (UCV), ressaltaram a importância do ato, o primeiro na Avenida Bolívar por opositores de Chávez.

- Hoje, recuperamos a bandeira nacional. Recuperamos o hino nacional. E recuperamos as ruas - disse.

Stalin Fernández, da UCV, fez um pedido aos mais velhos.

- Você, pai e mãe, que vir a foto de seu filho amanhã nos jornais ou na televisão, votem.