Título: Clima é prioridade total
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 03/12/2007, Ciência, p. 25

Marina Silva diz que país está pronto para Bali e que cobrará ações dos mais ricos.

O Brasil já tem um discurso pronto a ser levado à Conferência do Clima das Nações Unidas, que começa hoje, em Bali, e se estende até o dia 14. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, as autoridades brasileiras defenderão a adoção de metas internas de redução das emissões de gases que provocam o efeito estufa pelos países em desenvolvimento e cobrarão dos industrializadas não apenas o cumprimento das metas previstas no Acordo de Kioto. A idéia é exigir também a transferência de recursos e tecnologias para que as nações mais pobres possam crescer sem aprofundar os problemas relacionados às mudanças climáticas.

Eliane Oliveira

Como está o Brasil no debate mundial sobre mudanças climáticas?

MARINA SILVA: Estamos dando total prioridade à questão das mudanças do clima. Tanto é assim que o presidente Lula já assinou o decreto instituindo o grupo que vai elaborar o Plano Nacional de Mudanças Climáticas. Vamos participar dos esforços para ampliar os avanços multilaterais, para que possamos chegar a 2012 com mais do que intenções em relação aos graves problemas das mudanças do clima. Já logramos a redução de meio bilhão de toneladas de CO2 nos últimos três anos. Nossa meta é desmatamento ilegal zero. Além disso, queremos reverter um quadro que identificamos entre julho e outubro, quando houve um aumento de 10% do desmatamento na Amazônia, com incidência maior no Pará e no Mato Grosso.

Que mensagem o Brasil levará a Bali?

MARINA: O Brasil não pretende dar ênfase a mais discursos. Vamos liderar pelo exemplo. Neste momento a crise é tão grave, que qualquer retórica já é perda de tempo. Já temos uma quantidade enorme de acordos que precisam ser cumpridos. Um deles é que os países desenvolvidos devem transferir tecnologia e recursos novos e adicionais para que os países em desenvolvimento possam se desenvolver socialmente e economicamente, sem aprofundar os graves problemas das mudanças climáticas. Queremos que os países desenvolvidos cumpram e aumentem suas metas. E que os países em desenvolvimento, ainda que não tenham metas, não se ancorem nisso para não fazer nada. Que possam fazer suas contribuições a partir de si mesmos, mesmo quando não receberem apoio.

No caso do desmatamento, o Brasil defende que árvores mantidas em pé possam ser contabilizadas na redução das emissões de gases. Como é essa conta?

MARINA: Quando uma árvore é queimada, decompõe-se e libera CO2 na atmosfera. Se a árvore permanece viva, ela é um estoque de carbono. Cada hectare de árvores significa "x"" toneladas de carbono não emitidas. O Brasil, por exemplo, deixou de emitir meio bilhão de toneladas de dióxido de carbono, em função da redução do desmatamento. A média é 120 toneladas por hectare.

Os países com metas obrigatórias poderiam usar a queda do desmatamento como crédito de carbono?

MARINA: A proposta brasileira não admite a idéia de que isso gere um crédito para que os países com metas obrigatórias possam emitir mais. Queremos que a diminuição seja adicional. Se um país comprar um crédito da redução das emissões em função do desmatamento ter caído no Brasil, na Costa Rica, na Indonésia ou em algum país da África, na verdade o nosso esforço é anulado.

Por que, em sua opinião, os países em desenvolvimento não deveriam ter metas de redução de emissões obrigatórias?

MARINA: Porque as emissões históricas desses países são pequenas. Os países desenvolvidos começaram a emitir (CO2) na Revolução Industrial. O Brasil, a partir da década de 40. O problema é que, atualmente, a contribuição de países como Índia, China e Brasil já é significativa. Nós não temos o direito de cometer o mesmo erro histórico.

Por que é tão difícil evitar as queimadas?

MARINA: No caso do Brasil, há uma combinação de queimadas para desmatamento e outras para renovação de pastagem, essas constituem a maior parte. Parte das queimadas também é acidental e há aquelas criminosas, em áreas em que a especulação da grilagem tem interesse. Temos feito um esforço muito grande mas, infelizmente, a prática de renovar pastagens no período seco, colocando fogo no capim, atinge a floresta.

Secas e enchentes vêm se tornando freqüentes no Brasil. O país está preparado para enfrentar os desastres naturais resultantes da mudança do clima?

MARINA: Se para os países desenvolvidos é difícil, quanto mais para as nações em desenvolvimento. No caso brasileiro, a situação não é diferente. Uma das regiões mais vulneráveis é o semi-árido.

Como conciliar a produção de biodiesel e cana-de-açúcar com a preservação da Floresta Amazônica?

MARINA: Não é apenas conciliar. É uma questão de viabilizar o desenvolvimento com preservação. É uma equação só. O Brasil é um país privilegiado. Temos 351 milhões de hectares de área agricultável, dos quais 50 milhões estão em repouso. Isso significa que podemos produzir os biocombustíveis sem precisar derrubar um pé de mato. Quanto à cana-de-açúcar, a posição do governo é que ela não deve ser plantada na Amazônia.

Que metas internas serão estabelecidas e de quanto será a redução de emissões?

MARINA: De quanto será nossa meta de redução ainda não sabemos. O assunto será discutido no âmbito do plano nacional. Não haverá só metas para desmatamento. São várias frentes que incluem energia limpa, diversificada e renovável.

Apesar dos esforços feitos, o Brasil ainda é criticado devido ao desmatamento da Amazônia...

MARINA: O Brasil está iniciando um processo. Não se faz um discurso ufanista de que os problemas estão resolvidos. O importante é que não queremos cometer os erros dos países desenvolvidos. Como disse o psicanalista Contardo Calligaris, os países desenvolvidos são cobrados pelo seu passado e nós pelo futuro. As pessoas falam: "ministra, a senhora está o tempo todo na berlinda". Eu acho ótimo, maravilhoso. Antigamente, o desmatamento aumentava e ninguém sabia. Hoje, ele cresceu 10% em quatro meses e a sociedade inteira está cobrando. Antes, as pessoas só pensavam na inflação. Agora, o povo brasileiro pensa no desmatamento. Isso é uma mudança de paradigma, uma mudança de mentalidade.