Título: As diferenças estão debaixo do tapete
Autor: Lamego, Cláudia
Fonte: O Globo, 02/12/2007, O País, p. 4

Filósofo diz que partido não discutiu crise e pode ter cisão mais profunda no futuro.

O PT enfrentará hoje outra eleição interna sem ter resolvido a crise que abalou o partido em 2005, quando veio à tona o escândalo do mensalão. Para o professor de ética e filosofia da Universidade de Campinas Roberto Romano, o partido adotou a tática de empurrar a crise para debaixo do tapete, sem punir os envolvidos, e essa decisão, segundo ele, tem resultado no controle das várias tendências internas. Mas faz um alerta: quanto mais se adia o debate, mais profundos ficam os abismos a serem enfrentados. Com o agravante de o PT chegar a 2010 sem poder contar com seu líder maior, o presidente Lula. Isso, ressalta, se não ganhar corpo na legenda a discussão sobre um terceiro mandato de Lula.

Cláudia Lamego

Como o senhor analisa as eleições internas no PT?

ROBERTO ROMANO: Há três candidatos com mais chances de ganhar: o (Ricardo) Berzoini, que tem uma sólida estrutura nacional, armada desde a época do sindicalismo; o (Jilmar) Tatto, com uma base eleitoral forte na periferia de São Paulo; e o (José Eduardo) Cardozo, com apoio dos intelectuais, mas sem máquina para competir com os outros dois. O Berzoini é o que dá maior garantia para o governo de que o PT seguirá administrado internamente, conseguindo conter as diferenças entre as várias tendências internas.

Dois anos após a crise do mensalão, os escândalos que se abateram sobre o partido estão superados?

ROMANO: Até hoje o PT não colocou em pratos limpos a crise do mensalão. O partido não teve condições políticas internas para fazer uma análise da crise, identificar com clareza as suas causas e punir com prontidão os grupos que atuaram em nome do partido tendo em vista a ascensão em facções. A perspectiva tática exige que as diferenças internas sejam colocadas debaixo do tapete. Mesmo no encontro nacional do PT, o mensalão, por exemplo, não foi discutido. O PT trata esse assunto como o câncer era tratado antigamente. Ou seja, as pessoas nunca falavam que tinham câncer, mas uma "doença ruim". No PT, não se diz as coisas com as palavras certas. O PT não trata disso, todo mundo sabe. A tática do partido é de mascar as palavras.

O senhor acha que a eleição interna, dependendo de quem for o vencedor, pode estimular esse debate?

ROMANO: O Cardozo seria um nome que talvez propusesse esse debate. Ele tem uma proposta de democracia, uma espécie de liberalismo democrático. Mas não interessa ao governo e, eu diria como observador, nem ao partido, em termos de coesão, uma proposta de debate interno. Na visão das forças hegemônicas do PT, às vésperas das eleições internas, um debate que resultasse em cisões internas seria um péssimo caminho e poderia minar os planos do PT para as eleições municipais em 2008 e as de 2010.

O senhor acha, então, que o que está em debate hoje no partido é a eleição municipal de 2008 e a presidencial de 2010?

ROMANO: Isso e mais a possibilidade de discussão de um terceiro mandato para Lula ou o que fazer sem ele. A liderança do Lula deu ao partido sua grande projeção, mas isso teve um preço. Na hora de escolher candidato à Presidência, o Suplicy foi preterido, o Tarso Genro também. Houve uma espécie de morticínio daqueles que poderiam concorrer com Lula no plano interno. O PT não tem candidatos com apelo nacional, influência, à altura de substituir Lula. O PT tem que administrar, até 2010, uma engenharia política muito difícil. As forças hegemônicas podem vencer as eleições agora, deixar a crise ética debaixo do tapete, manter a coesão interna, mas, cedo ou tarde, a crise virá à tona e a fissura pode ser ainda maior, levando-se em conta até a ausência do Lula em 2010. Se é que o partido não vai adotar uma tendência mais confortável, a do queremismo, que era o movimento do "Queremos Getulio". Quando não existem líderes à altura para assumir o projeto político do partido, esses movimentos começam a ganhar corpo. Para o PT, nesse momento, Lula é insubstituível.

Na hipótese de o partido não aceitar a tese do terceiro mandato, como ele vai sobreviver sem Lula?

ROMANO: O partido tem seu compromisso com largas camadas da sociedade, que vão cobrar as bandeiras éticas. Isso tem uma dimensão estratégica. A tática de saltar abismos tem dado certo. Mas os abismos vão aumentando conforme a solução estratégica não é aperfeiçoada ou praticada. É impossível que essas tendências internas mantenham o pacto diplomático interno, até porque, sem Lula, vão querer disputar o poder no partido.