Título: Medo de perseguição cala denúncias no Pará
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 02/12/2007, O País, p. 13

Segundo Pastoral Carcerária, testemunhas de violações e crimes no estado são submetidas a uma lei do silêncio.

ABAETETUBA (PA). Na cidade onde estourou o escândalo de uma menor presa e violentada sexualmente numa cela ocupada por 20 homens impera uma velada lei do silêncio. Em Abaetetuba, como em boa parte do Pará, quem testemunhar ou souber de ocorrência de violações e crimes deve ficar de boca fechada. Do contrário, passa a correr risco. Essa é uma constatação da Pastoral Carcerária, o braço da Igreja Católica responsável por acompanhar o drama desses presos e suas famílias.

Abaetetuba nem é uma cidade tão pequena assim. Tem 140 mil habitantes. E nem está tão distante da capital. Fica a 150 quilômetros de Belém. O tráfico de drogas é um dos principais problemas da região. Entidades que atuam em defesa de direitos humanos e de menores contabilizam cerca de 400 pontos de distribuição de droga em Abaeté, como é chamado o município.

Outras 42 mulheres presas em delegacias do interior

O medo da retaliação e da perseguição se transforma na lei do silêncio. Extra-oficialmente, a pastoral contabilizava, até o episódio que envolveu a jovem detida, que 42 mulheres estavam presas em delegacias no interior do Pará, algumas delas provavelmente em celas junto com homens. O coordenador da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Belém, o diácono Ademir da Silva, afirmou que as pessoas têm medo de denunciar e serem perseguidas.

- As pessoas morrem de medo de represália. Não denunciam por isso. Acham que vão ser perseguidas, seus parentes presos serão torturados e que a vida vai virar um inferno. É pertinente o receio - disse o diácono Ademir.

Em 16 anos, quatro denúncias de maus tratos

Como exemplo dessa realidade, ele contou que foram raras as denúncias que registrou em 16 anos de Pastoral.

- Recebi, até hoje, apenas quatro denúncias de maus tratos em presídio. Claro que a realidade não é essa - comenta.

Presente no Pará logo que o caso da menor foi divulgado, a americana Heidi Ann Cerneka, há 11 anos no Brasil e coordenadora nacional da Pastoral Carcerária para a Mulher Presa, afirmou ter colhido depoimentos de muitas pessoas que dizem ter medo da Polícia Civil.

- Ouvi, numa audiência pública da sociedade civil, uma pessoa dizer: "Eu, como cidadão, tenho medo de falar sobre a polícia" - afirmou Heidi.