Título: Rejeição ao estilo personalista de poder
Autor: Galeno, Renato
Fonte: O Globo, 02/12/2007, O Mundo, p. 45

Revolução bolivariana começa a dar sinais de fadiga com deserção de antigos aliados.

CARACAS. Desde que Hugo Chávez surgiu no cenário político venezuelano com a tentativa de golpe de Estado em 1992 até o fim do ano passado, quando ele foi reeleito com quase 65% dos votos, a popularidade do presidente só fez crescer. Mas no último ano, a "revolução bolivariana" começou a mostrar sinais de fadiga, fenômeno percebido pela deserção de aliados e dificuldades até então inéditas frente às urnas, já que as pesquisas indicam que o referendo de hoje será decidido voto a voto. Especialistas acreditam que o endurecimento da postura do governo na sua relação com quem pensa diferente dele e a polêmica proposta de reforma constitucional podem ter colaborado para a diminuição do poder de convencimento do líder.

Enquanto a idéia do "socialismo do século XXI", lançada na reta final da campanha eleitoral de 2006, ainda era uma vaga proposta sem efeitos práticos, Chávez cometeu seu primeiro erro estratégico: a não renovação da concessão do canal de televisão RCTV, o mais popular da Venezuela.

- Nesse momento, o presidente Chávez despertou o movimento estudantil. Ocorreram os primeiros protestos de jovens em décadas - revela o professor de relações internacionais e cientista político Leandro Area. - Surgiu ali o único ator político com credibilidade no país. Os partidos não têm mais qualquer vínculo com a população. Tenho 57 anos e nunca tinha visto algo assim na Venezuela.

O segundo passo em falso de Chávez ocorreu com a tentativa de criar o Partido Socialista Único da Venezuela, que ainda está em processo de legalização. Alguns dos movimentos políticos aliados do presidente se recusaram a se desmantelar, como o Partido Para Todos (PPT) e o Partido Comunista da Venezuela. O caso mais grave foi o esquerdista Podemos, que deixou a base aliada por discordar da proposta de reforma constitucional.

Reveses na política externa recaem sobre presidente

Nas últimas semanas as derrotas de Chávez aumentaram. Enquanto na Assembléia Nacional - dominada por aliados - não foi difícil fechar um pacote de mudanças de 69 dos 350 artigos da Carta para tentar instituir sua versão do socialismo no país, a reação às alterações provocou um rechaço de vários grupos próximos a ele: sondagens indicam que muitos chavistas são contrários à reforma.

As pessoas mais representativas que se afastaram de Chávez devido à reforma são o ex-ministro da Defesa Raúl Isaías Baduel, compadre do presidente, e sua ex-mulher, Marisabel Rodríguez, mãe de uma filha do presidente.

No plano externo, o presidente, que se considera um líder regional, sofreu uma série de reveses.

- Ele deve estar se dando conta de que seu papel no mundo é limitado. Fracassou em Paris, fracassou na Opep, e antes já tinha fracassado no Chile - afirma o cientista político Friedrich Welsch.

Além da frase "Por que não se cala?", do rei Juan Carlos da Espanha, na reunião da Opep Chávez sofreu uma derrota pública, depois de sua proposta de trocar o dólar pelo euro ter sido ignorada por todos. Em Paris, causou irritação a Sarkozy a chegada de Chávez sem provas de vida da ex-senadora Ingrid Betancourt.

- Como ele assumiu pessoalmente a política exterior, estes fracassos são dele, não pode empurrá-los para o pobre ministro - diz Welsch.

Enquanto Chávez mantém grande popularidade pessoal, a capacidade política de convencer as pessoas diminui. Nada estranho para um líder que, a cada dia, reforça seu estilo personalista de poder. (R.G.)