Título: TVE vive crise às vésperas da estréia da TV Brasil
Autor: Antunes, Elizabete
Fonte: O Globo, 01/12/2007, O País, p. 17

Presidente e diretora da emissora no Rio deixam o cargo com críticas à nova rede, e professor denuncia censura.

Às vésperas da estréia da TV Brasil, a TVE entrou em crise, com a saída de diretores que estavam à frente da emissora há anos e até acusação de censura. Debatedor do programa "Espaço público", da TVE, há dois anos, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Felipe Pena acusou a apresentadora da atração, Lúcia Leme, de ter pedido, durante um intervalo de gravação, anteontem, que ele não criticasse de forma tão dura o governo Lula.

Pena conta que sempre teve liberdade para falar o que quisesse no "Espaço público" , mas que há três meses o clima nos estúdios estava ruim. A gota d"água, segundo ele, foi durante discussão do tema "O desencanto dos jovens com a política":

- Eu disse que me surpreenderia se alguém estivesse encantado com o senador Renan (Calheiros) ou com um governo que aparelha a máquina pública, inclusive inventando uma rede de televisão.

Como o programa é gravado - e não ao vivo, como aparece em sua grade - Pena disse que teve suas declarações cortadas. O professor, que antes era a favor da TV pública, agora pensa diferente.

- Sempre achei viável a TV pública, mas agora começo a ficar preocupado com o monstro que estão criando. Uma apresentadora falar que pode perder o emprego, como disse Lúcia Leme, caso falem mal do governo, já é uma autocensura - disse Pena, que não participará mais do "Espaço público". - O que molda uma TV é a sua filosofia. Não piso mais lá. Estou com medo do que possa acontecer daqui em diante.

Surpresa, Lúcia Leme negou o fato, dizendo que há não censura em seu programa.

- A única coisa que peço é que os meus convidados não falem ao mesmo tempo - disse. - Jamais pedi para alguém não criticar o governo.

Sobre a TV pública, Lúcia preferiu não dar sua opinião:

- Não temos muita informação sobre isso. A diretora está sendo trocada... Sinceramente, ainda não posso falar nada sobre essa mudança.

À frente da TVE desde 2003, Beth Carmona, que deixou o cargo, disse que não foi convidada para assumir qualquer outra função na TV Brasil. E lamentou o fim da TVE.

- Acabaram com um canal de 40 anos de história - disse Beth, que, com "Um menino muito maluquinho", produção da TVE inspirada na obra de Ziraldo, concorreu ao Emmy 2007. - Estou nessa área há 20 anos e sempre acreditei na TV pública, mas já existia a estrutura de uma. Se deciram fazer uma nova é porque havia interesse...

Até ontem diretora-geral da TVE, Rosa Crescente acusou de "truculenta" a forma como o projeto da TV pública foi feito e disse que foi contra o que chamou de "extermínio da TVE":

- Sempre pleiteamos a idéia de se investir numa TV pública, para termos mais qualidade. Mas não o fim da TVE. Acho que nesses anos eu e a Beth provamos que o canal era viável, investimos em programação, compramos outro prédio... A TVE representa no Rio o que a TV Cultura significa para São Paulo.

Rosa também criticou a fusão da TV com a Radiobrás:

- A Radiobrás não é pública, é estatal. Não é certo misturar as duas coisas.

Segundo um comunicado divulgado ontem pela assessoria da TVE, o Conselho de Administração da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) deliberou pela dispensa da presidente Beth Carmona e da diretora Rosa Crescente. Na mesma reunião, o conselho votou e aprovou a nomeação de Arnaldo Cesar Jacob para o cargo de diretor-presidente (ele é diretor-regional de jornalismo da EBC) e Antônio Crescenti Filho para o cargo de diretor de tecnologia. O comunicado foi assinado pelo presidente do Conselho de Administração da Acerp, Tadao Takahashi.

A diretoria executiva da TV Brasil será formada por Tereza Cruvinel, diretora-presidente, e por um diretor-geral, Orlando Senna. Helena Chagas será a diretora de jornalismo, e Delcimar Pires, diretor administrativo financeiro. A direção de programação de conteúdo caberá a Leopoldo Nunes. Já Mário Borgneth será o diretor de relacionamento e José Roberto Garcez, diretor de serviços. O cargo de diretor de suporte está vago.

Tereza Cruvinel diz que mudança estava prevista

Tereza Cruvinel disse ontem que a mudança de comando na TVE já estava definida desde a edição da medida provisória que criou a TV pública, em 10 de outubro. O texto transferiu para a nova estatal a gestão das TVs educativas do Rio e do Maranhão, que eram de responsabilidade da Acerp. Segundo Tereza, Beth Carmona e Rosa Crescente rejeitaram convites para permanecer à frente da programação infantil da TV Brasil.

- Procuramos fazer uma transição harmônica na TVE, mas os resultados não foram os desejados, o que tornou a saída delas inevitável. Em reconhecimento à boa gestão que fizeram, tentamos integrá-la à programação infantil da TV Brasil, mas a solução não foi aceita - disse.

Tereza informou que o jornalista Arnaldo Cesar assumiu a presidência da Acerp em caráter provisório e está mantido como diretor regional de jornalismo da TV Brasil no Rio. A presidente da EBC disse que não haverá novas mudanças.

O primeiro produto novo da TV Brasil será o Repórter Brasil, que estréia 3 de dezembro, segunda, às 21h. A programação será completada com programas da TVE e da Radiobrás.

COLABOROU: Bernardo Mello Franco