Título: Grande desafio
Autor: Machinea, José Luis
Fonte: O Globo, 04/12/2007, Opinião, p. 7

Vivemos uma mudança de época que nos faz oscilar entre um certo otimismo pelas oportunidades que se apresentam e um certo pessimismo pela incerteza que a tudo rodeia.

Na América Latina a incerteza se vê potencializada pela heterogeneidade estrutural das economias, a informalidade no mercado de trabalho, a volatilidade do crescimento, o baixo nível de proteção social e a forte desigualdade social que aprofunda suas raízes em nossa história. As importantes melhorias ocorridas nas últimas décadas de alguns indicadores econômicos e sociais e a redução da pobreza nos últimos anos, como a Cepal tem mostrado, são insuficientes para mudar esta realidade estrutural.

A sensação de que o futuro é incerto, que a pobreza não cede, que as instituições funcionam mal, que o individualismo é o único que conta, que a democracia não satisfaz necessidades, tudo isso corrói os sentidos de coletivo e propriedade - em resumo, a coesão social.

É muito difícil reduzir as desigualdades em um país ou região onde persistem fortes brechas de renda e de acesso a diferentes ativos. Diante desse quadro, como conseguir um sentido de solidariedade e de propriedade se os cidadãos não confiam nas instituições básicas da democracia? Se percebem, por exemplo, que a Justiça é corrupta e responde aos interesses dos poderosos? Como afirmar que o gasto social melhora a eqüidade, se não existe transparência e avaliação dos programas sociais, e estes se prestam ao clientelismo político? Como falar de coesão social em sociedades em que a negação do outro tem sido a regra por décadas ou séculos?

Mas a heterogeneidade é muito grande na região e no interior dos países. Em Brasília a mortalidade de menores de 5 anos foi de 24 para cada mil nascidos vivos (em 2000), enquanto que em Sobral, Ceará, foi de 61 para mil. Na Bolívia o analfabetismo urbano é somente de 6,4%. Nas zonas rurais chega a 25,7%. Na Colômbia, Bogotá tem 9,2% de lares com necessidades básicas insatisfeitas, mas no Departamento do Choco esse número sobre para 79.1%.

Como se pode perceber, são diversos e muito grandes os desafios que acompanham a erradicação da exclusão social e a construção de sociedades mais eqüitativas e coesas.

Neste sentido, as experiências inovadoras identificadas pela Cepal com o apoio da Fundação W. K. Kellogg constituem uma contribuição relevante. São pequenos grandes passos para a coesão e o fortalecimento da cidadania mediante a participação comunitária na resolução dos seus problemas. Os finalistas de 2007 do concurso Experiências em Inovação Social são bons indicadores, podendo ser replicados em outras comunidades e, dessa forma, funcionarem como verdadeiros agentes transformadores da realidade por vezes cruel do continente

Na Bolívia, o programa de Hospedagem Estudantil em Família enfrenta a deserção escolar possibilitando que crianças das zonas rurais que estudam longe de suas casas possam morar com famílias anfitriãs no povoado ou cidade de suas escolas. Os anfitriões recebem uma remuneração que permite acolhê-los sem exigir-lhes em troca trabalho, característica dos modelos de "apadrinhamento" tradicional que se utilizam informalmente em muitos dos nossos países.

No Brasil, o Programa Alfabetização Solidária (AlfaSol) conseguiu reduzir o analfabetismo em 2.099 municípios de todo o país, já tendo atendido mais de 5 milhões de jovens e adultos em seus 11 anos de existência.

Também no Brasil, o Programa Trevo de Quatro Folhas, da Secretaria de Saúde e Ação Social de Sobral (CE), diminuiu a mortalidade materno-infantil com um modelo muito simples e inovador baseado nas "mães sociais".

O projeto colombiano luta desde 1995 para melhorar a qualidade de vida de crianças portadoras do vírus HIV por meio do acesso à educação, promovendo a integração de crianças na sociedade e garantindo a sua autonomia frente às dificuldades impostas pela doença.

Esses são apenas alguns dos mil projetos inscritos em toda a América Latina e o Caribe para o concurso de 2007, e dos quais os doze finalistas selecionados melhor representam o desejo por mudanças expresso em todo o continente. São exemplos que trazem esperança e de que é possível avançar na construção de sociedades mais eqüitativas e justas.

JOSÉ LUIS MACHINEA é secretário-executivo da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (CEPAL).