Título: Lula: O ocorrido no Pará foi abominável
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Fonte: O Globo, 04/12/2007, O País, p. 8

Em visita ao país, comissária da ONU diz que Brasil deveria soltar réus primários.

BRASÍLIA. Só ontem, duas semanas após a denúncia de que uma adolescente de 15 anos sofreu abusos sexuais ao ser mantida presa com 20 homens no Pará, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu sua primeira declaração pública sobre o caso. Lula condenou o comportamento dos policiais.

- O que aconteceu no Pará foi abominável. Se a gente contar, parece coisa de ficção. O delegado acredita na idade que ela dá, e não abre investigação sobre isso. Não importa se é menor ou maior de idade. Ainda se fosse uma senhora de 70 anos, não poderia estar ali no meio daqueles homens. Esse delegado se formou em direito e tinha que ter o mínimo de conhecimento das regras legais - disse o presidente, em discurso na abertura da 7ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em Brasília.

- Se fosse bem formado, se banco escolar revelasse a formação do caráter, esse delegado teria que tirar a menina de lá e dar a cadeira dele para ela se sentar - acrescentou Lula.

Um pouco antes, o presidente recebera, no Palácio do Planalto, a alta comissária das Nações Unidas para os direitos humanos, Louise Arbour, que criticou a superlotação nos presídios no país e chegou a propor que o Brasil liberte os presos primários. Louise também condenou a prisão da adolescente com 20 homens, no Pará, e disse que a menina não poderia estar detida antes de ser julgada.

Embora tenha ressaltado que não conversou com Lula sobre o assunto, Louise lembrou que o Brasil ratificou uma convenção de direitos políticos e civis que determina que pessoas indiciadas por qualquer crime devem ser imediatamente apresentadas ao juiz antes de serem presas.

- Acho que num país como o Brasil, onde há um problema muito sério de superpopulação carcerária, a primeira coisa que precisa ser feita é verificar essa prisão antes do julgamento. O governo vai analisar essa questão, porque alguém precisa responder pelo que aconteceu.

Louise contou que tratou de assuntos genéricos com Lula, como a questão da pobreza e dos índios. Mais cedo, na Câmara, propôs uma força-tarefa para a identificação de pessoas presas em caráter preventivo, que deveriam ser soltas para aguardar o julgamento em liberdade:

- O Brasil poderia descongestionar o sistema carcerário soltando réus primários e acusados de crimes não violentos.

A comissária propôs também a adoção de circuitos de vigilância eletrônica para inibir práticas de tortura e maus tratos em delegacias e presídios brasileiros. Ela sugeriu ainda que os interrogatórios de processos criminais passem a ser gravados por câmeras de vídeo. A medida permitiria aos juízes saber se houve abusos durante a tomada de depoimento dos réus.

- O governo tem obrigação de garantir segurança, mas nos estritos limites da lei. A primeira tarefa é assegurar que a violência não seja usada por agentes do Estado - afirmou Louise, em visita à Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

Em visita ao Ministério das Relações Exteriores, a comissária cobrou a criação de um comitê independente para apurar denúncias de tortura. O órgão deveria ter sido instituído até outubro, segundo protocolo assinado por Lula no início do ano.