Título: Eles fazem vítimas
Autor: Damasceno, Natanael; Berta, Ruben
Fonte: O Globo, 05/12/2007, Rio, p. 16

APÓS A MAIORIDADE, 81 INFRATORES MATARAM OU TENTARAM MATAR.

Em abril de 2005, oito homens espancaram até a morte três pessoas de uma mesma família numa favela na Baixada Fluminense. As vítimas foram retiradas de casa, tiveram as mãos amarradas e foram levadas para um matagal, onde foram mortas a tiros depois de uma longa sessão de tortura. À frente do grupo de bandidos, estava um jovem de 20 anos. Era Evaldo (nome fictício), que, em 2000, aos 15 anos, foi detido dentro de um carro roubado, no seu primeiro flagrante.

A quarta reportagem da série "Dimenor: os adultos de hoje" mostra como um menino que entra para a vida do crime cometendo um furto pode se tornar um assassino. Trinta e oito jovens com menos de 18 anos foram processados em 2000 por homicídio, tentativa de homicídio ou latrocínio. No entanto, outros 80 que passaram pela Vara da Infância e Juventude do Rio naquele ano foram acusados de crimes de morte após a maioridade. Boa parte desse grupo foi detida em 2000 por delitos como furto ou roubo (24) e por tráfico ou uso de drogas (22).

Menores são responsáveis por menos de 1% dos homicídios

Poucos meses depois de ser detido por roubo, Evaldo respondeu a um novo processo, por porte de arma. No ano seguinte, foi detido por tráfico, o que já mostrava o caminho escolhido pelo menor. Segundo a polícia, Evaldo mostrou-se violento e rapidamente alcançou um dos postos mais altos na hierarquia da quadrilha. Além dos três assassinatos pelos quais ele cumpre pena hoje no Complexo Penitenciário de Gericinó, há indícios de que estaria ligado a outros homicídios. Procurado pelo GLOBO, ele não quis dar entrevista.

Muitos crimes que envolvem adolescentes chocam a sociedade pela violência empregada. Apesar disso, os homicídios cometidos por menores de 18 anos representam uma pequena parcela do total de assassinatos registrados nos últimos oito anos. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), a média tem sido de 0,6% a 0,9%.

- O grande perigo do adolescente consiste no seu próprio despreparo. Não há como negar que há meninos com grande potencial lesivo, mas, sem dúvida, eles são uma minoria. Que só não é inexpressiva pela gravidade desses atos - comenta a promotora Eliane Pereira, da Vara da Infância e Juventude do Rio.

A presidente do ISP, Ana Paula Miranda, confirma que, no universo de crimes contra a vida, os menores são minoria. Segundo ela, em 53 (0,8%) dos 6.323 casos de homicídios registrados em 2006, os adolescentes são suspeitos do crime. No entanto, a esmagadora maioria dos homicídios do Rio investigados tem autoria desconhecida.

- Levando em conta só os registros policiais com o autor identificado, cerca de 10% dos crimes são praticados por menores. Temos a falsa impressão de que ocorrem mais casos com adolescentes, por conta da brutalidade e do clamor público quando são eles que matam - justifica Ana Paula.

Para os que defendem a redução da maioridade penal, como o professor de direito penal Paulo José da Costa Júnior, da Universidade de São Paulo (USP), o baixo índice de menores cometendo crimes, em relação ao de adultos, não deve servir de desculpa para manter a lei do jeito que está:

- Sou visceralmente a favor da redução. Pelo direito constitucional, o menor vota, então por que ele não responde por suas infrações? Na Argentina, já pensam em reduzir para 14 anos, enquanto nós ainda discutimos diminuir para 16.

Há uma tendência de apontar o adolescente que mata como um sociopata. O psiquiatra forense e vice-presidente do Fórum da Criança e do Adolescente da Escola da Magistratura do Rio, Talvane de Moraes, explica que o termo sociopata é usado pelos ingleses para a pessoa doente, sem condições de viver em sociedade. São pessoas que colidem com as normas sociais, vivendo à margem da lei. Mas, na opinião dele, elas não conseguiram se adaptar por serem produtos da falta de assistência do Estado:

- A base é educacional. Não é só da escola, mas também da família. Costumo dizer que um indivíduo que nasce e cresce sem a assistência pública corre o risco de viver à margem da lei. O comportamento criminoso, muitas vezes, é o resultado de toda uma história distorcida de vida.