Título: Bush ainda vê perigo no Irã
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 05/12/2007, O Mundo, p. 35

Apesar de estudo mostrar que país suspendeu programa nuclear, presidente diz que ameaça existe.

Apesar das 16 agências de espionagem dos Estados Unidos terem chegado a um consenso de que o Irã não representa uma iminente ameaça nuclear, pois interrompeu em 2003 o programa que resultaria na construção de bombas atômicas, o presidente George W. Bush insistiu ontem que todo cuidado é pouco. Em sua opinião o informe ¿Estimativa de Inteligência Nacional sobre o Irã¿ (NIE, na sigla em inglês), divulgado por aquelas agências na noite de segunda-feira, dizendo que tal perigo estaria afastado pelo menos até 2015, deveria despertar mais temor do que alívio:

¿ Eu vejo esse informe como um sinal de alerta, dizendo que eles tinham o tal programa, que eles paralisaram o programa. O motivo pelo qual se trata de um sinal de alerta é que eles poderiam reiniciá-lo ¿ disse Bush ontem em entrevista, insistindo que estava correto ao dizer, no último dia 17 de outubro, que a aquisição de conhecimentos para a construção de armas nucleares pelo Irã poderia provocar a Terceira Guerra Mundial.

Para reforçar a sua posição e, ao mesmo tempo, neutralizar as freqüentes afirmações que o Irã estava prestes a dar um salto ameaçador nessa área, Bush insistiu:

¿ Esse informe significa que nada mudou. Eu disse que o Irã é perigoso, e o NIE não tem nada que mude a minha opinião sobre o perigo que o Irã representa para o mundo.

E insistiu:

¿ Eu acho que é muito importante que a comunidade internacional reconheça o fato de que se o Irã chegar a desenvolver o conhecimento que lhe permita passar a um programa clandestino, isso criaria um grande perigo para o mundo.

A oposição logo reagiu através de Harry Reid, líder da maioria democrata no Senado:

¿ A aquecida retórica de Bush sobre o Irã, incluindo os comentários sobre uma potencial Terceira Guerra Mundial, se torna ainda mais ultrajante agora que sabemos que ele fora informado que o Irã deixou o tal programa há quatro anos.

Israel reticente sobre relatório

O chefe do Conselho de Segurança Nacional, Stephen Hadley, foi quem revelou que bem antes de fazer a referência à uma nova guerra mundial por causa do Irã, Bush já sabia que aquele país tinha interrompido seu programa:

¿ Ele soube em agosto ou setembro passado ¿ disse Hadley.

Questionado, Bush afirmou ontem que ficara sabendo disso apenas na semana passada. Hadley apressou-se a explicar a diferença de versões: dois ou três meses atrás Bush recebera a informação bruta, mas ela acabou sendo validada sete dias atrás.

Em Teerã o governo comemorou o informe, feito por seus próprios acusadores, num tom irônico:

¿ É natural darmos as boas vindas à países que corrijam realisticamente as suas observações, que no passado continham ambigüidades sobre as nossas atividades nucleares ¿ disse o ministro de Relações Exteriores, Manoucheh Mottaki.

Apesar do informe ter reacendido a discussão sobre a manipulação de informações pelo governo americano, tendo como destaque as falsas acusações de que o Iraque possuía armas de destruição em massa, dois aliados logo apoiaram a atitude de Bush. Grã-Bretanha e França disseram que devem ser mantidas pressões internacionais contra o Irã. Israel, no entanto, duvidou do informe: suas autoridades acreditam que o Irã tem um programa clandestino.

Segundo o NIE, mesmo que o Irã reiniciasse o seu programa nuclear agora, não conseguiria produzir urânio enriquecido suficiente para uma única arma antes da metade da próxima década. O informe, cuja versão secreta tem 150 páginas (50 delas não foram divulgadas ao público) diz ainda que há dúvidas se o Irã ¿atualmente pretende desenvolver armas nucleares¿.