Título: Derrota no plebiscito põe chavismo em crise
Autor: Galeno, Renato
Fonte: O Globo, 05/12/2007, O Mundo, p. 36

Chávez diz que o povo não está maduro para a sua versão de socialismo. Para aliados, faltou estrutura partidária.

CARACAS. A primeira derrota eleitoral de Hugo Chávez lançou o chavismo numa crise sem precedentes desde que chegou ao poder em 1999. Aliados do presidente venezuelano confirmam abertamente que o movimento precisa passar por uma profunda avaliação. Nos bastidores, no entanto, todos esperam uma caça às bruxas nas hostes bolivarianas. Cabeças chavistas vão rolar nas próximas semanas.

A senha para o início dos expurgos dentro do chavismo foi dada pelo próprio presidente. Num telefonema para um programa de debates da TV estatal VTV - dedicada exclusivamente a fazer propaganda do governo - o presidente Chávez tentou explicar a derrota de sua proposta constitucional afirmando que o povo ainda "não está maduro" para aceitar sua versão do socialismo. E acrescentou:

- Além de nossas falhas em não conseguir explicar a proposta, há uma debilidade em nossas fileiras. Muitas pessoas em nossas fileiras não jogaram - afirmou Chávez, que se aventurou a fazer uma comparação com o futebol, apesar de ser um amante do beisebol. - É como um jogador de futebol a quem você lança a bola e que a deixa passar, acabando nos pés do adversário. Alguns fizeram isso por interesses, outros por dúvidas.

Segundo fontes próximas ao presidente, a grande irritação de Chávez começou durante a contagem de votos. Apesar de ele ter recebido diversas pesquisas nos dias anteriores ao referendo, no fim da noite de domingo ele recebeu um relatório do Departamento de Inteligência Militar que apontava que o "não" tinha vantagem.

- Não sabia disso. Mentiram para mim - disse ele, profundamente irritado, segundo os relatos publicados nos principais jornais venezuelanos.

A maior parte da revolta do presidente tinha como endereço o Comando Zamora, entidade responsável pela campanha do "sim". Seu chefe, o vice-presidente Jorge Rodríguez - uma das figuras mais visíveis do chavismo e presença constante ao lado de Chávez durante comícios e inauguração de obras - não fez qualquer aparição pública desde as 21h de domingo.

Alguns dos primeiros alvos do presidente deverão ser governadores e prefeitos cujo trabalho de propaganda foi considerado aquém do necessário. Ontem, Florencio Porras, governador de Mérida, já reconhecia que, provavelmente, a corda da derrota eleitoral arrebentará do lado mais fraco.

- O trabalho realizado não representou nossa melhor batalha. Estamos convencidos que há fatores internos que levaram a isso - disse ele. - Façamos uma reflexão e, oxalá, não ocorra uma caça às bruxas.

Tentativa de partido único provocou dissidências

Um dos fatores mais citados por chavistas foi a escolha da data do referendo. Por decisão do presidente, seu antigo partido, o Movimento Quinta República, foi desmantelado para a formação do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). O problema é que o PSUV ainda não foi formado, o que acabou afetando o funcionamento da máquina eleitoral chavista no dia da votação. Além disso, apesar de o partido ter cinco milhões de "aspirantes a membro", a reforma foi aprovada por menos de 4,4 milhões.

Além disso, o Partido Comunista (PCV) e o Pátria Para Todos (PPT), partidos chavistas que se recusaram a se desfazer para entrar no PSUV, foram alijados da campanha pelo Comando Zamora.

- Em todo processo revolucionário é necessária a existência de um instrumento político, de uma direção coletiva unificada - disse o presidente do PCV, Oscar Figuera.

Além da luta entre a predominância do PSUV sobre os demais movimentos chavistas, o teor da reforma em si motivou um rechaço entre partidários de Chávez. É o que diz Ismael García, presidente do Podemos, partido que era da base chavista até a proposta de reforma constitucional ser apresentada.

- Uma dissidência atravessou de forma vertical toda a sociedade, da cúpula às bases chavistas.

O próprio governo central vem perdendo apoio. A inflação de novembro foi de 4,4%, sendo de 20,7% nos últimos 12 meses. O preço dos alimentos cresceu 7,1% só no mês passado. Há ainda um grande problema de desabastecimento de produtos como leite e frango. A violência no país atinge níveis alarmantes, com Caracas sendo a capital mais violenta da América do Sul.

A derrota de Chávez foi festejada pela Casa Branca.

- Os venezuelanos rejeitaram o governo de um só homem. Votaram na democracia - disse o presidente George W. Bush. - Os EUA podem contrariar a influência venezuelana na América do Sul e está aqui a solução: o Congresso pode adotar um acordo de livre comércio com a Colômbia.