Título: Uma barreira de chamas no Alemão
Autor: Costa, Ana Cláudia; Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 06/12/2007, Rio, p. 28

Traficantes queimam ônibus para impedir que polícia suba morro.

Dois moradores ficaram feridos e um ônibus foi incendiado ontem para ser usado como barricada durante uma grande operação da Secretaria de Segurança, que mobilizou 650 policiais militares e civis, no Complexo do Alemão. Foram ocupadas todas as favelas da Penha que fazem parte do complexo. Na chegada dos policiais à Vila Cruzeiro, houve uma intensa troca de tiros. Apesar do confronto, apenas dois suspeitos foram detidos e nada foi apreendido. Fontes da polícia acreditam que mais uma vez a operação vazou, mas o subsecretário de Integração Operacional, Roberto Sá, nega. Esta seria a quarta grande operação da polícia, este ano, em que teria ocorrido vazamento para os traficantes.

Apesar da grande mobilização de efetivo ontem, a polícia não conseguiu cumprir qualquer um dos diversos mandados de prisão expedidos. Roberto Sá explicou que houve muita dificuldade de deslocamento na favela porque metade dos oito carros blindados teve problemas mecânicos. Os veículos são antigos e adaptados. O subsecretário reafirmou que o estado pretende comprar blindados novos:

- Não dá para enfrentar um 7,62 (calibre de fuzil) no peito. Tivemos que nos retrair e até fazer uma operação de resgate. Não houve vazamento de informações. Talvez alguma pessoa tenha visto a mobilização de quase 700 policiais. Temos concentrado nossas operação no Complexo do Alemão. Fomos recebidos a tiros, mas vamos recuperar esse território. Os moradores devem fazer denúncias, que serão investigadas pela polícia.

Complexo de favelas está cercado desde maio

Cercado desde maio, o Complexo do Alemão vem sendo palco de operações policiais freqüentes. Em junho, 19 traficantes morreram em confronto numa operação que levou 1.350 policiais civis e militares às favelas do complexo. A ação de ontem, a segunda maior, começou por volta das 9h30m.

Policiais civis em comboio entraram por diversas ruas transversais à Avenida Braz de Pina, que dá acesso às favelas da Penha. Foram ocupados os morros da Fé, do Sereno, da Caixa D"Água e da Chatuba. No Morro da Fé, um suposto traficante identificado apenas como Cara de Lata foi preso por policiais civis. Ele é acusado de ter matado um PM há duas semanas. Na Chatuba, um suspeito conhecido como Bandico também foi detido. Na subida do Morro do Sereno, policiais civis chegaram a pintar as iniciais de uma delegacia especializada em paredes do morro, que logo foram apagadas por moradores.

Na Vila Cruzeiro, a incursão foi feita por policiais militares com o auxílio do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Houve intensa troca de tiros com a chegada de dois carros blindados do Bope. Nesse local, 12 escolas não funcionaram por medo de que alunos ficassem feridos por balas perdidas. Cerca de oito mil alunos ficaram sem aulas.

Durante a operação, Anderson Claiton Martins de Souza, de 25 anos, foi baleado na barriga quando chegava em casa, na Vila Cruzeiro. No mesmo local também foi baleado no rosto, de raspão, Cléber Duarte, de 18 anos. Ambos foram levados para o Hospital Getúlio Vargas e não correm risco de morrer.

Traficantes de Vila Cruzeiro incendeiam ônibus

Traficantes da Vila Cruzeiro incendiaram na tarde de ontem um ônibus da Viação Nossa Senhora de Lourdes, para usá-lo como barricada e fechar uma rua. Segundo um funcionário da empresa, que não quis se identificar, eles abordaram o veículo na Rua do Valão e ordenaram que passageiros, motorista e cobrador saíssem. O ônibus foi levado até a Rua João Alegrete, na favela, onde foi incendiado.

Traficantes chegaram a suspender os tiros e permitiram que jornalistas se aproximassem do local onde o ônibus estava em chamas para fazer fotos. A trégua cessou quando um carro blindado do Bope chegou ao local e traficantes avisaram por um radiotransmissor que era a hora de a imprensa sair do interior da favela. De tarde, na Rua Cajá, um grupo de jornalistas que acompanhavam policiais ficou encurralado por bandidos. Eles se jogaram no chão e gritaram por ajuda durante um tiroteio que durou 15 minutos.

Assustada, uma moradora da Vila Cruzeiro, que não quis se identificar, questionou a ação da polícia no local. Ela tentou levar seu filho de 7 anos para a escola, mas soube que o colégio estava fechado. Para ela, as ações não são planejadas, uma vez que moradores ficam em meio ao fogo cruzado.

- Sou contra o tráfico e a favor da ação da polícia. O que não pode acontecer é deixar moradores em meio ao fogo cruzado e inocentes feridos com balas perdidas - disse.