Título: Uma espinha na garganta de Bush
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 06/12/2007, O Mundo, p. 37

ElBaradei contrariou afirmações de Washington sobre Irã e Iraque.

WASHINGTON. Há tempos Mohamed ElBaradei é tido como a melhor fonte de conhecimentos sobre o progresso nuclear do Irã. E o mais recente informe dos serviços de espionagem dos Estados Unidos acaba de comprovar isso, para desencanto do governo americano. Afinal, ElBaradei é visto pelo atual governo quase como um inimigo, pois sempre tratou de esvaziar o furor da Casa Branca em relação ao Irã, afirmando que os motivos apontados para uma eventual guerra contra aquele país são falsos.

O presidente George W. Bush sempre achou que ElBaradei protegia o Irã, insinuando que ele fazia o jogo do país que considera o núcleo do ¿eixo do mal¿. Tudo isso porque ele afirmava, como agora comprovou a Diretoria de Inteligência Nacional, que o Irã tinha usinas de enriquecimento de urânio sem conexões com um programa nuclear bélico.

ElBaradei irritou ainda mais Washington ao chamar de ¿maluco¿ quem advogava um ataque ao Irã. Como diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ele já tinha sido um ¿desmancha-prazeres¿ na época da escalada da guerra ao Iraque:

¿ O dia da invasão foi o mais triste da minha vida ¿ disse ele, em recente entrevista.

ElBaradei reafirmara várias vezes, após mais de cem inspeções de sua equipe, que Saddam Hussein não tinha armas de destruição em massa como acusavam os EUA. O desgosto de Bush com isso era tão grande que chegou a barrar a entrada dos inspetores da AIEA no Iraque após a invasão. Além disso, Bush fez o possível para evitar que, em 2005, ElBaradei fosse eleito mais uma vez ¿ para um terceiro mandato consecutivo ¿ diretor-geral da AIEA.

Diplomatas americanos fizeram de tudo para minar a candidatura. E ela acabou se concretizando justamente porque esse egípcio de 65 anos, doutor em direito internacional, percebera que Bush pretendia bloqueá-lo.

ElBaradei tinha dito a amigos, e à esposa Aida ¿ que ele diz ser sua principal conselheira política ¿ que não pretendia se candidatar. Mas quando soube da campanha dos EUA, disse ter tido ¿uma sensação de náusea ao ver que alguém mais tomaria uma decisão pessoal por mim¿. Sua mulher, então, insistiu: ¿Mohammed, você vai ser candidato¿.

E ele não só venceu como, um mês depois de assumir o cargo mais uma vez, ganhou o prêmio Nobel da Paz justamente pelo trabalho que realizara com sua equipe no Iraque.