Título: Um suspiro de alívio
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 06/12/2007, O Mundo, p. 37

A CRISE NUCLEAR IRANIANA

Diretor de agência atômica da ONU diz que relatório dos EUA sobre Irã dá nova chance à diplomacia.

Odiretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Mohamed ElBaradei, comemorou ontem o relatório do serviço de inteligência do governo dos EUA sobre os riscos de o Irã desenvolver uma bomba atômica. Ele disse ter recebido o relatório com um "suspiro de alívio" porque as conclusões coincidiram com os estudos da agência e deram novo fôlego aos esforços diplomáticos. ElBaradei afirmou, no entanto, que Teerã ainda precisa conquistar a confiança da comunidade internacional e atuar com plena transparência nessa área.

O relatório de 16 agências de espionagem dos EUA, divulgado segunda-feira, constatou que o Irã suspendeu seu programa de armamento nuclear em 2003. Mas informou que o país continua a desenvolver meios técnicos que poderiam ser usados na fabricação de bombas.

- Vejo o relatório como uma janela de oportunidades, que dá à diplomacia uma nova chance. Não existe esse senso de urgência de que o Irã está prestes a desenvolver uma arma nuclear já, amanhã. Não percebo o Irã como uma ameaça iminente e que deveríamos desviar do processo de negociação. Mesmo que começasse a fazer isso (produzir armas), só teria capacidade em alguns anos, 2014 ou 2015 - disse ElBaradei, que visita o Brasil. - O relatório nos dá um suspiro de alívio porque é coerente com nossa avaliação.

Ele ponderou, no entanto, que o Irã precisa continuar trabalhando com os organismos internacionais para alcançar a plena transparência.

- É preciso continuar essas negociações. O Irã precisa quitar sua dívida. O Irã, por várias vezes, perdeu a confiança aos olhos da comunidade internacional, devido à natureza não-declarada de seu programa nuclear. O Irã precisa restaurar a confiança mediante transparência - afirmou.

O diretor da AIEA, agência da ONU, também disse que é preciso trabalhar com Teerã para ter garantia de que todas as atividades foram declaradas à agência e têm fins pacíficos.

- Ainda não vimos nenhuma prova irrefutável nos últimos anos, mas é um trabalho a ser realizado - completou.

Sem pendências em relação ao Brasil

ElBaradei, que estava ontem em Brasília, visita hoje as instalações da fábrica de combustível nuclear das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Resende (RJ). Perguntado sobre uma possível comparação entre o programa nuclear brasileiro e o iraniano, ele elogiou as ações do Brasil nesse campo. O diretor da AIEA afirmou que o programa do Brasil cumpre todas as obrigações do Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares, enquanto o iraniano foi não-declarado aos "olhos da agência" durante 20 anos.

- Não há qualquer pendência em relação ao programa brasileiro. Não há um déficit de confiança em relação ao programa brasileiro, ao contrário do Irã - disse ele, que se reuniu com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

Ao comentar a aproximação entre os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Mahmoud Ahmadinejad, do Irã, no intercâmbio de experiências nucleares, ElBaradei minimizou eventuais problemas.

- Os países têm liberdade para a cooperação. Pelo que nos consta, não vimos nada na Venezuela que levante suspeitas de que o país não cumpra as obrigações de não-proliferação de armas nucleares - disse ele.

Para Elbaradei, o Irã pode sentir-se de certa forma "vingado" com o relatório. Em Teerã, Ahmadinejad declarou vitória sobre Washington. Mas ressaltou que o informe deixa a "porta aberta" para novas pressões e afirmou que o Irã vai resistir a elas.

- A nação iraniana é vitoriosa, vocês (os EUA) ficaram de mãos vazias - disse o presidente, na primeira declaração sobre o tema após a divulgação do relatório. - O governo americano reconhece agora que as atividades iranianas são pacíficas.

Num discurso para milhares de pessoas em Ilam, oeste do país, ele anunciou que Teerã tem planos para construir 50 mil centrífugas de enriquecimento de urânio, e acrescentou:

- Se querem tratar conosco numa posição de inimizade e iniciar um novo jogo político, o povo do Irã resistirá unido.

O presidente americano, George W. Bush, por sua vez, voltou a pressionar o Irã a "explicar claramente" suas atividades nucleares e a suspender o enriquecimento de urânio, que pode ser usado na fabricação de bombas atômicas. Bush afirmou que Reino Unido, França, Alemanha e Rússia continuam a ver a questão como um problema.

- Os iranianos têm uma escolha estratégica a fazer. Eles podem ser claros com a comunidade internacional sobre suas atividades nucleares e negociar, ou continuarem no caminho do isolamento - disse Bush.

O embaixador francês na ONU, Jean-Maurice Ripert, afirmou que, apesar do relatório, o Irã continua desafiando duas resoluções da ONU e que há "consenso crescente" entre as potências, incluindo China e Rússia, sobre novas discussões semana que vem em Nova York a respeito de sanções. O ministro do Exterior britânico, David Miliband, seguiu na mesma linha:

- O desafio permanece - disse.

Mas o documento deve aumentar a resistência de Rússia e China a novas sanções. Pequim reagiu ao relatório dizendo que "as coisas mudaram", e o chanceler Yang Jiechi reiterou que o país pretende resolver a questão por meio da negociação. A Rússia, que a exemplo da China tem poder de veto no Conselho de Segurança, disse que o relatório reforça sua oposição a novas sanções e que deve ser levado em conta nas discussões.

Com agências internacionais