Título: A prevenção do suicídio
Autor: Trigueiro, André
Fonte: O Globo, 07/12/2007, Opinião, p. 7

ANDRÉ TRIGUEIRO

Quando a Organização Mundial de Saúde revelou, em setembro, que quase três mil pessoas se matam por dia; que esse número cresceu 60% nos últimos 50 anos, especialmente nos países em desenvolvimento; e que o suicídio já é uma das três principais causas de morte entre os jovens e adultos de 15 a 34 anos, poucos órgãos de comunicação se interessaram.

Talvez tenha prevalecido a tese de que qualquer menção ao suicídio na mídia possa fomentar a ocorrência de novos casos. O risco de fato existe quando se explora o assunto de forma sensacionalista. Mas a própria OMS recomenda enfaticamente a veiculação através da mídia de informações que ajudem na prevenção do suicídio, como já se faz em relação à dengue, à Aids e a outras doenças. ¿A disseminação de informação educativa é elemento essencial para os programas de prevenção; nesse sentido, a imprensa tem um papel relevante¿, é o que se lê na apresentação de publicação dirigida à imprensa pelo Ministério da Saúde em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde.

É preciso informar que, na maioria dos casos, pode-se prevenir o suicídio. Na quase totalidade das ocorrências, há algum transtorno mental (depressão, reações ao uso de drogas lícitas ou ilícitas, esquizofrenia, transtornos de personalidade etc.) que, somado a outros fatores, favorece o auto-extermínio. É igualmente importante reconhecer as circunstâncias em que há ¿risco de suicídio¿, principalmente quando a pessoa verbaliza o desejo de se matar ¿ nesses casos, os profissionais de saúde informam que a maioria das pessoas que tiraram a própria vida comunicou a intenção previamente ¿ ou quando apresenta os sintomas de depressão, que, nas manifestações mais graves, requer cuidados redobrados. No enfrentamento da depressão, estima-se que 2/3 das pessoas tratadas respondem satisfatoriamente ao primeiro antidepressivo prescrito.

Embora este seja um assunto ausente na mídia, o suicídio é considerado problema de saúde pública no Brasil. Aqui ainda se registram taxas pequenas em relação a outros países (3,9 a 4,5 para cada 100 mil habitantes), mas, em números absolutos, já estamos entre os dez países do mundo onde ocorrem mais suicídios (aproximadamente, oito mil casos por ano), uma quantidade certamente bem superior, considerando que muitos atestados de óbito omitem a intenção do suicídio em mortes oficialmente causadas por acidentes de trânsito, overdose, quedas etc. Há outros números: as tentativas de suicídio ocorrem numa proporção pelo menos dez vezes superior ao dos casos consumados e, para cada suicídio, há em média cinco ou seis pessoas próximas ao falecido que sofrem conseqüências emocionais, sociais e econômicas.

Omitir essas informações da sociedade significa esconder a sujeira debaixo do tapete e fingir que o problema não existe. Se prevenção se faz com informação, é preciso enfrentar com coragem o tabu que envolve o suicídio. Tão importante quanto rastrear as causas desse problema de saúde pública é apoiar as redes de proteção que trabalham em favor da vida, como é o caso dos grupos de apoio que reúnem os ¿sobreviventes de si mesmo¿, familiares e amigos de suicidas que compartilham suas experiências em dinâmicas de grupo conduzidas por terapeutas; e organizações voluntárias que realizam gratuitamente um serviço de apoio emocional e prevenção do suicídio por telefone, como é o caso do Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo número 141.

Há motivos para se acreditar que a prevenção do suicídio seja uma causa urgente e necessária. Entre eles, os depoimentos dos suicidas que não conseguiram consumar o auto-extermínio. É bastante sugestiva a convergência de depoimentos em favor da vida de quem esteve tão perto da morte. O problema é que, na maioria absoluta dos casos, o arrependimento pode vir tarde demais.

ANDRÉ TRIGUEIRO é jornalista.