Título: Guerra declarada no Itamaraty
Autor: Colon, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 20/04/2009, Política, p. 6

Procuradoria da República apura denúncia de favorecimento na distribuição de imóveis pelo Ministério de Relações Exteriores. Oficiais dizem que falta de regras claras acaba beneficiando os diplomatas

O bloco b da quadra 411 sul abriga apartamentos funcionais disputados por oficiais e diplomatas do ministério de relações exteriores A diplomacia tem passado longe do Itamaraty em 2009. Pelo menos no quesito moradia, a palavra de ordem é guerra. A Procuradoria da República no Distrito Federal investiga denúncia de favorecimento político na distribuição dos imóveis funcionais. O Ministério de Relações Exteriores é acusado de desrespeitar as regras e distribuí-los por meio de critérios obscuros, fazendo concessões ¿arbitrárias¿. A denúncia partiu de dentro da própria pasta. Mais precisamente de uma parte dos funcionários. Uma representação foi protocolada pela Associação Nacional dos Oficiais de Chancelaria (Asof) e acatada pela procuradora Ana Carolina Roman, que autorizou a abertura de apuração de supostas irregularidades cometidas pelo comando do ministério.

Responsáveis pelos serviços técnicos e administrativos do Itamaraty, como emissão de passaportes e vistos, os oficiais levantam a suspeita de favorecimento aos diplomatas, acirrando uma antiga disputa interna que existe no órgão entre as carreiras. A associação, cuja sede é no subsolo do ministério, não titubeia em afirmar que existe parcialidade na escolha dos moradores dos 524 imóveis pertencentes ao Itamaraty. ¿É comum a distribuição sem qualquer critério, imperando a troca de favor político ou apadrinhamento¿, diz trecho do documento. ¿Favorecimento político à custa do patrimônio publico¿, ressalta. ¿Com base na simples indicação.¿

O Ministério de Relações Exteriores, cujo comando está nas mãos de diplomatas, possui apartamentos de todos os tipos para seus servidores: mais luxuosos, de cinco ou quatro quartos, padrões medianos, de três quartos, e menores, de dois e um dormitórios. A assessoria de comunicação do órgão informou que 60% são destinados a futuros e atuais diplomatas, além de embaixadores e ministros. O restante fica com os oficiais (nível superior) e assistentes (nível médio) de chancelaria. As moradias, diz o ministério, são distribuídas segundo a ordem de chegada do servidor do exterior e a antiguidade em sua respectiva carreira.

Não é o que dizem os oficiais de chancelaria. Segundo a denúncia, assinada pelos advogados da associação, Juliano Costa Couto e Bruno Avelino, o Itamaraty ¿tem concedido residência funcional para os seus membros, independentemente de sua ordem de colocação nas listas de espera¿.

Transparência A acusação, segundo o presidente da Asof, Antonio Toneto, decorre principalmente da falta de transparência por parte do Itamaraty. ¿É preciso clareza nas regras¿, diz. A entidade afirma ao Ministério Público que as autorizações para os servidores morarem nos imóveis não são publicadas. Não saem, por exemplo, no Diário Oficial da União. O Itamaraty não desmente, mas nega que a relação seja sigilosa. E também diz que não há favorecimento político na distribuição dos apartamentos. Decreto estabelece que o servidor beneficiado deve pagar mensalmente ao órgão público uma taxa equivalente a dois milionésimos do valor do imóvel, além de arcar com condomínio e taxas de água e luz. O estopim da crise entre os servidores de chancelaria e diplomatas ocorreu em 10 de junho do ano passado. Os oficiais fizeram uma greve de 24 horas por melhores salários. Travam uma velha batalha pela equiparação à remuneração dos diplomatas. Foi a primeira paralisação da história do Itamaraty. Um oficial recebe, no início de carreira, R$ 4,8 mil, podendo chegar a R$ 6 mil no final. Já um diplomata tem um piso de R$ 8 mil e quando chega a ministro de primeira classe passa a receber R$ 11 mil.