Título: Quem faz buraco é garimpeiro
Autor: Alves, Cristina; Gois, Ancelmo
Fonte: O Globo, 07/12/2007, Economia, p. 33

INVESTIMENTO: Se a empresa ainda fosse estatal, não teria comprado a Inco no ano passado, diz executivo.

Presidente da Vale rejeita as críticas de que a mineradora só explora riquezas naturais e investe pouco no país.

Bombardeado pelo presidente Lula por não investir o suficiente no país, o presidente da Vale, Roger Agnelli, exibe os números de US$11 bilhões a serem aplicados só no ano que vem. Ele lembra que tem investido pesado em ferrovias e na geração de energia elétrica e conta que quer disputar o leilão para construir as hidrelétricas do Rio Madeira. Agnelli garante que entende as cobranças de Lula, mas rejeita o rótulo de que a mineradora esfola o Pará, onde só no terceiro trimestre investiu US$935 milhões. "Quem faz buraco é garimpeiro", diz Agnelli, frisando que a indústria da mineração é das que mais gera desenvolvimento e riqueza no mundo.

Cristina Alves, Ancelmo Gois e Rodolfo Fernandes

O presidente Lula diz que a Vale esfola o Pará e dá pouco em troca. Como têm sido suas conversas com ele?

ROGER AGNELLI: São muito positivas. Onde a gente puder ajudar, vamos ajudar. Essa declaração, eu li, mas o presidente jamais me falou. Ele entende que a Vale é uma parceira do país. As pessoas podem até pensar que mineração é abrir buraco, mas é uma indústria sofisticada de processar e entregar o minério. Quem faz buraco é garimpeiro. A mineração gera desenvolvimento, riqueza. Além disso, estamos investindo em segurança, em educação. Na área de energia, no governo do presidente Lula, inauguramos sete usinas hidrelétricas. Estamos na oitava e queremos a nona, que é o Rio Madeira. Queremos estar no leilão do Madeira. No caso de ferrovias, estamos fazendo a Norte-Sul, a Litorânea Sul. Duplicamos a capacidade da Vitória-Minas, duplicamos a Ferrovia de Carajás. Arredondamos a Ferrovia Centro Atlântica (FCA), que custou quase US$1 bilhão para poder recuperar. O maior investidor em portos no Brasil tem sido a Vale.

As críticas do presidente então têm sido injustas?

AGNELLI: Acho que não, é bom ser pressionado, entendo que cada um tem que seguir a sua estratégia. A Vale é a empresa privada que mais investe.

Qual o principal gargalo na Vale hoje?

AGNELLI: Hoje é gente. Outros grandes gargalos são equipamentos e energia. Mas não para os projetos que estamos tocando, mas para os futuros. Até 2012, está garantido.

Quais os planos para o investimento no Rio Madeira?

AGNELLI: O que a gente está querendo é gerar energia para nosso próprio consumo. A maioria dos grupos tem distribuidora de energia. Estamos conversando para ver se há forma de compatibilizar interesses.

Isso quer dizer: entro com 15% do negócio e você me dá 15% da energia?

AGNELLI: É isso mesmo que a gente quer. Estamos conversando com todos os grupos.

Qual é a meta?

AGNELLI: A idéia é ficar com 50% de geração própria. Hoje não está nem em 20%. O consumo é de 2 mil megawatts/ano. Para crescer mais, temos que construir usinas.

A Vale está preocupada com a possibilidade de a Rio Tinto, sua concorrente, parar na mão dos chineses?

AGNELLI: A mineração é uma indústria extremamente importante para o crescimento do mundo inteiro. Se não houver empresas grandes, com capacidade de investimento não se consegue aumentar produção de forma rápida para atender a demanda, e isso pode se transformar em inflação. Quanto mais capacidade financeira se tiver, melhor. Se for uma empresa chinesa que está dentro do conceito de economia de mercado, tudo bem... Agora, se for para atender a interesses do governo chinês, atuando em outros países, aí não é tão fácil de aceitar porque é um conflito político grande...

Quer dizer que, se a Vale fosse estatal, ela não compraria a canadense Inco?

AGNELLI: Não compraria. Os canadenses não deixariam. Foi um dos grandes questionamentos do governo canadense. Eles queriam saber se o governo brasileiro tinha influência na gestão e na definição estratégica.

O PT condenou formalmente a privatização da Vale e há ações na Justiça para reestatizar a Vale. Isso preocupa?

AGNELLI:Acho que tem ideologias mais modernas, menos modernas. O movimento é político, para fazer certo barulho... A Vale está dando super certo. É a empresa de mineração que mais cresce no mundo, que mais investe.

E o argumento de que, com o preço do minério subindo, a Vale teria o seu valor aumentado mesmo sendo estatal?

AGNELLI: Não é fato. Ela não teria a liberdade que tem. É só perguntar aos empregados da Vale que estavam aqui quando ela era estatal. A velocidade, a visão estratégica, a Vale hoje tem uma liberdade muito maior do que quando era estatal, e ela já era boa. Naquela época investiu muito nos seus empregados, na capacitação. Mas o movimento que ela faz hoje é de uma empresa privada, aproveitando oportunidades de forma muito rápida. Por isso, é a que mais cresce no mundo.

A Inco foi um bom negócio? Logo após a aquisição, em 2006, as ações caíram...

AGNELLI: Banqueiros comerciais e de investimento apontam como o melhor negócio da mineração mundial, em termos de timing, estratégia. A Vale se internacionalizou. O nível de alavancagem hoje é similar ao que tinha antes da Inco. O preço do níquel subiu muito mais do que a gente imaginava. Estamos com o melhor ativo e as melhores pessoas da indústria de níquel do mundo e estamos com as melhores pessoas e os melhores ativos da indústria de minério de ferro do mundo.

Qual o impacto da desvalorização do dólar nas contas da Vale?

AGNELLI: É forte. No caso de Onça Puma, começamos o projeto com o dólar a R$2,30 e ele caiu para R$1,80. Só ali foram US$500 milhões de efeito da desvalorização. Em compensação, a gente tem conseguido aumentar o preço além da valorização do real frente ao dólar. Temos previsto programas fortes de redução de custos e aumento da produtividade. Hoje vocês viram aquele centro de controle que aumenta a eficiência da planta.

O empresário Eike Batista se associou à Anglo American para explorar minério de ferro. Como vocês vêem essa concorrência?

AGNELLI: Antigamente tinha corrida ao ouro, hoje tem ao minério de ferro, ao níquel. Acho que o Eike é um empreendedor, voltado para o mercado de capitais, tem um senso de urgência e oportunidade muito grandes e agora está desenvolvendo uma mineradora de ferro. A Anglo American quer crescer. Desejo sucesso ao Eike.

Recentemente ele criticou a falta de cultura de risco do empresário nacional. A Vale tem essa cultura?

AGNELLI: Absolutamente tem.

Mas tem uma tribo de empresários aí que é risco zero...

AGNELLI: Olha, quem sobreviveu no Brasil nos últimos anos, devia ganhar uma medalha de herói. Sobreviver com essas complexidades, inclusive tributárias, que o Brasil tem... Eu vi muitos empresários que tinham uma boa dose de risco e que agora são ex-empresários, quebraram. Mas o Brasil tem empresários brilhantes: o Jorge Gerdau, a Votorantim são exemplos. O Brasil tem uma Embraer, tem o Garantia, com a Brahma e tudo mais. Tem o Frigorífico Bertin, olha que show de bola... Agora, acho que o Eike tem uma filosofia, está entrando em vários negócios simultaneamente, desejo sorte a ele.

Vocês foram procurados por ele?

AGNELLI: Fomos, para fazer uma associação. Mas a gente não tem a mesma filosofia e isso é um ponto de partida. De minério de ferro não precisamos de mais reserva e no gás, a gente quer estar sempre junto com a competência. Estamos com a Petrobras. O Eike queria ir para o petróleo, mas não é nossa prioridade. A prioridade é o gás e sempre próximo das operações da companhia, no Espírito Santo, no Pará, no Maranhão.

Vocês são uma das empresas que mais têm negócios com a China. Qual é o teto para o crescimento da China?

AGNELLI: O ser humano vai até aonde puder, desde que tenha inteligência e estratégia. E o chinês tem, sabe aonde quer chegar. A China já foi um império, tem investidores, tem empreendedores, tem a maior população mundial, tem dinheiro, tem tecnologia. Não vejo o futuro da China tão limitado. Acho que o futuro deles é bem amplo.

Um dos projetos mais importantes para a Vale, o de Serra Sul, que vai consumir US$10 bilhões, ainda não tem licença ambiental. Que dificuldades vocês têm enfrentado?

AGNELLI: É legítimo e necessário ter consciência ambiental. Ela tem que existir, mas o processo (de licenciamento) não pode virar gargalo. Nas usinas do Madeira, por exemplo, tinha que proteger 100 metros em torno do rio. Agora, são 500 metros. Isso alguém tem que pagar. Que custo pode suportar isso?

Vocês estão investindo em urânio em várias partes do mundo. Não há alternativa melhor para gerar energia?

AGNELLI: O urânio é a grande saída da Humanidade. É uma energia limpa. O desenvolvimento de materiais e a segurança das usinas evoluíram muito nos últimos anos. A demanda por urânio vai crescer, porque todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento estão acelerando seu potencial de geração de energia, hídrica, de urânio, carvão. A base da energia elétrica mundial é carvão. Evidentemente todo mundo quer sonhar com energia eólica, mas tem que pagar, é muito cara, não é viável. O preço é R$2 mil o megawatt/hora. O Brasil tem que se desenvolver e, para isso, tem que ter energia. Pára de queimar na Amazônia e vamos gerar energia. Tudo gera CO. Geramos CO. Essa discussão é importante, mas é preciso gerar desenvolvimento. O pior inimigo da natureza é a miséria, o que mais degrada o meio ambiente.