Título: Falhas em tradução adiam parecer de Cacciola
Autor: Duarte, Fernando; Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 07/12/2007, Economia, p. 36

Após terceira audiência, decisão de tribunal de Mônaco sobre extradição fica para 31 de janeiro de 2008.

Fernando Duarte* e Jailton de Carvalho

MONTE CARLO e BRASÍLIA. Em audiência realizada na manhã de ontem, em Mônaco, a Corte de Apelações adiou mais uma vez seu parecer sobre a tentativa de extradição do ex-banqueiro Salvatore Cacciola, atendendo à solicitação dos advogados de defesa. Eles se queixaram de falhas na tradução para o francês dos documentos do dossiê apresentado pelo governo brasileiro em outubro. O tribunal marcou nova sessão para 31 de janeiro e vai encaminhar a documentação para outra tradução, a cargo de especialistas franceses. Segundo a procuradora-geral monegasca, Annie Brunet-Fuster, a nova audiência trará, impreterivelmente, uma decisão sobre o caso.

Foi a terceira vez que a corte protelou o parecer. A primeira audiência ocorreu na última semana de outubro, mas terminou com a decisão dos três juízes de dar mais tempo para que o advogado monegasco de Cacciola, Frank Michel, preparasse a defesa. Michel também pediu que fosse investigado o que insinuou ser uma irregularidade na documentação de Brasília - alegou que o mandado de prisão expedido em 2000 pela 7ª Vara Federal de Justiça do Rio apresentava assinaturas diferentes do mesmo magistrado no documento que chegou a Monte Carlo e no enviado às autoridades italianas há sete anos.

Um problema que o consultor jurídico do Ministério da Justiça, Rafael Favetti, afirmou ter sido afastado de vez. Ele esteve ontem no principado e disse que as autoridades aceitaram um documento enviado pelo então juiz da 7ª Vara, Abel Fernandes Gomes, explicando que assinou quatro vias do mandado.

- Não se usa mais papel carbono, e é mais do que normal que haja diferenças na assinatura de uma pessoa em quatro documentos diferentes. Demonstramos que a acusação é inverídica e atenta contra a seriedade do Judiciário brasileiro - afirmou Favetti.

Procuradora se mostrou contra o adiamento

O consultor explicou que houve problemas com a tradução de termos jurídicos na sentença de prisão, que tem mais de 500 páginas. Os juízes do tribunal também pediram esclarecimentos sobre o termo peculato, que na legislação do principado aplica-se apenas a crimes cometidos por funcionários públicos, ao passo que no Brasil também inclui a co-autoria (o fato de Cacciola ter-se beneficiado de informações privilegiadas do então presidente do Banco Central, Francisco Lopes, no mercado futuro do dólar, em 1999).

A tradução, segundo Favetti, foi feita por quatro equipes de tradutores brasileiros contratados pelo Ministério da Justiça e teve a qualidade prejudicada pelo fato de a prisão de Cacciola ter ocorrido de surpresa - o ex-banqueiro, foragido desde 2000, foi detido em Monte Carlo em 15 de setembro. Também surpreendente foi a alegação da defesa sobre a qualidade da tradução, por sugestão de um novo advogado constituído por Cacciola, cujo nome não foi confirmado nem por Michel nem pela advogada italiana do ex-banqueiro, Alessandra Mocchi.

A procuradora Annie, por sua vez, admitiu a existência de imperfeições na tradução, mas não escondeu ter ficado contrariada com o adiamento. Um sinal de que a decisão teve caráter polêmico foi o fato de a audiência ter demorado mais de duas horas - as sessões anteriores duraram menos de 30 minutos.

- Houve realmente falhas na tradução, e o tribunal achou por bem não dar margem a qualquer dúvida. Fiz questão de dizer que não estava de acordo, até porque considero o caso brasileiro bastante válido. Mas a defesa está em seu direito de usar estratégias para ganhar tempo - disse Annie.

Tuma Júnior: tradução não inviabiliza entendimento

Alessandra, porém, revelou outra estratégia: na próxima audiência, a defesa argumentará que a extradição não é necessária pois, em razão da dupla cidadania de Cacciola, ele poderia cumprir na Itália a pena de 13 anos de prisão por crimes de peculato e gestão fraudulenta do Banco Marka, que causaram um rombo de mais de R$1,5 bilhão aos cofres públicos. Cacciola vive na Itália desde 2000, quando se aproveitou de um habeas corpus para fugir do Brasil e se valer da Constituição italiana, que proíbe a extradição de seus cidadãos. Ele vive em Roma, onde é dono de um hotel.

- Cacciola compareceu a todas as convocatórias pedidas pela Justiça brasileira - disse.

Os advogados deverão reforçar esse pedido com o argumento de que a extradição para o Brasil teria caráter político.

O secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, minimizou as supostas incongruências na tradução. Segundo o ministério, são apenas detalhes formais secundários e não modificam o conteúdo da sentença de condenação:

- Há discrepância de entendimento dos termos jurídicos, o que não inviabiliza o entendimento dos fatos.

(*) Enviado especial