Título: 'Sem mudanças, perdas serão 5 vezes maiores'
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 09/12/2007, Economia, p. 52

Coordenadora do Pnud admite que redução do CO reduzirá expansão global em 1,6%, mas alerta para custos futuros.

BALI. A economista Cecilia Ugaz, subdiretora e uma das coordenadoras do Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008 do Pnud, reage com suspiros desanimados quando ouve de delegados na Convenção do Clima, em Bali, que adotar metas de emissão de gases do efeito estufa compromete o crescimento. Segundo ela, adotar limites para a queima de combustíveis ou florestas, para reduzir a produção de CO, tem um preço: uma expansão mundial 1,6% menor, de hoje até 2030. Mas a pesquisadora, especializada em desenvolvimento sustentável e combate à pobreza, diz que se nada for feito agora, os custos futuros serão cinco vezes maiores, devido a despesas com a saúde das populações afetadas pela poluição, remoções por inundações e reconstrução de moradias destruídas por desastres naturais. E quem mais sofre com os problemas advindos das mudanças climáticas são os 40% mais pobres do planeta: 2,6 bilhões de pessoas. Para Cecilia, o problema é que foram produzidas metodologias de cálculo do crescimento, mas a depreciação do meio ambiente tem um impacto no PIB dos países que não é quantificado hoje. Se fosse, afirma, o ranking da riqueza seria diferente.

Gilberto Scofield Jr.

Quanto custa salvar o planeta?

CECILIA UGAZ: No relatório de desenvolvimento humano, nós usamos os dados de aquecimento do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), ou seja, se o planeta conseguir estabilizar a emissão de gases do efeito estufa em concentrações da ordem de 450 ppm (partes por milhão) de dióxido de carbono, o que significa um corte nas emissões de 50% até 2050, o custo anual médio chegaria a 1,6% do PIB do planeta.

Isso quer dizer que, quando os representantes de países como EUA, China e mesmo o Brasil se recusam a aceitar limites de emissão porque estes interfeririam no crescimento econômico, eles estão corretos?

CECILIA: Não. Primeiro, porque essa é uma visão muito estreita de um problema sério, que exige medidas imediatas de todo mundo, ricos e pobres. Segundo, porque calculamos que, se medidas de controle de mudanças climáticas não forem adotadas pelos países, as perdas serão cinco vezes maiores que a queda do PIB mundial em 1,6% ao ano.

Perdas de que magnitude?

CECILIA: Perdas com gastos adicionais por causa de problemas de saúde advindos da poluição, por perda de horas trabalhadas nas indústrias, por quebras de safra relacionadas ao aquecimento e à desertificação, por gastos extraordinários com compra de água e remoção de populações atingidas por desastres ambientais cada vez mais freqüentes.

Mas não é injustiça exigir de países em desenvolvimento que deixem de crescer agora, quando se sabe que a situação chegou a este ponto, essencialmente, por causa do crescimento desordenado das nações ricas?

CECILIA: De fato. Há aí uma questão de responsabilidade histórica, mas o fato é que a situação chegou a um ponto em que não fazer nada é uma sentença de morte. A quantidade de mortos por desastres climáticos entre 2000 e 2004 nos países ricos não chega a 5 milhões de pessoas, enquanto esse número passa de 250 milhões nas nações emergentes e pobres. Mas ainda que 98% das pessoas afetadas por desastres climáticos vivam em nações emergentes ou pobres, os efeitos econômicos são maiores para os países ricos porque os valores materiais são muito maiores. Desde 2000, os oito maiores desastres ambientais que ocorreram em países ricos, seis deles nos EUA, trouxeram danos de mais de US$10 bilhões.

Se um país adota medidas de proteção ao ambiente que afetam o setor privado, como a exigência de níveis de poluição para a indústria, não são grandes as chances de esse país perder investimentos?

CECILIA: Não, porque um investidor não analisa somente o rigor da lei ambiental na hora de escolher um lugar para investir. Entram em cena fatores como legislação trabalhista, incentivos fiscais e outros benefícios. E a minha experiência com o setor privado mostra que os empresários estão mais preocupados com regras estáveis do que com regras rígidas. Não adiantam regras frouxas se elas mudam ao sabor dos governos. Por outro lado, os países estão aqui em Bali justamente porque não faz sentido trabalhar isoladamente. Precisamos caminhar em grupo.

Por que tanta reação ao corte de emissões, então?

CECILIA: O problema é que o planeta se dedicou com afinco a produzir metodologias de cálculo das iniciativas dos processos de crescimento econômico, mas ninguém calculou com igual precisão, até agora, os custos econômicos advindos da falta de ação para proteção ao meio ambiente. A depreciação do meio ambiente tem um impacto no PIB dos países que não é quantificado hoje. Se fosse, o ranking de riqueza seria completamente diferente. Muitos países com riquezas exorbitantes perderiam bilhões do PIB por degradação ambiental.

E o que os consumidores podem fazer nessa situação?

CECILIA: Mudar padrões de consumo seria ótimo, como se perguntar se eu realmente preciso de um carro maior, uma geladeira maior, de um ar-condicionado maior. Depois, o governo precisa estabelecer padrões para a indústria. É um mito achar que produtos mais avançados tecnologicamente no trato com o ambiente são necessariamente mais caros. E há as ações do dia-a-dia.

Como, por exemplo?

CECILIA: Comprar lâmpadas mais econômicas. Preferir produtos recicláveis. Apostar em tecidos mais refrescantes para depender menos de ar-condicionado. Buscar marcas comprometidas com o meio ambiente. Ter eletrodomésticos mais econômicos no consumo de energia. Nos países ricos da OCDE, as residências representam entre 35% e 40% das emissões de CO. Os eletrodomésticos, sozinhos, são responsáveis por 12%. Ações como essas são capazes de reduzir em 29% as emissões até 2020, e isso equivale a três vezes as emissões atuais de um país como a Índia. Os mais eficientes padrões de eletrodomésticos poderiam tirar do ar 322 milhões de toneladas de CO até 2010, o equivalente a 100 milhões de carros fora das ruas, mais ou menos a frota somada de Canadá, França e Alemanha.