Título: Incentivo a quem preservar natureza
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 09/12/2007, Economia, p. 52

Número dois do Banco Mundial elogia ação do Brasil no setor, mas critica gasto público e burocracia.

BRASÍLIA. Apesar das preocupações com a expansão agrícola no Brasil - como o alerta de plantio de cana-de açúcar, na carona do etanol, na Região Amazônica - e de o país ter desempenho longe do ideal em termos de desmatamento, Juan José Daboub, responsável pela relação do Banco Mundial (Bird) com 74 países em desenvolvimento, é só elogios à política ambiental nacional. Diretor-gerente e segundo na hierarquia da instituição, o economista salvadorenho defende que países com práticas de desenvolvimento preservando o meio ambiente sejam contemplados com incentivos econômicos. "O Brasil tem boa agricultura, matriz de geração de energia elétrica muito limpa e medidas para supervisionar a conservação das florestas", diz.

Martha Beck

O Banco Mundial demonstra interesse em estreitar relações com países em desenvolvimento. Esse foi o objetivo de sua visita na semana passada?

JUAN JOSÉ DABOUB: Vim ao Brasil porque ele representa a combinação de esforço importante de desenvolvimento econômico e social com consciência de que isso seja sustentável no tempo, protegendo o meio ambiente. Isso interessa muito ao banco. Podemos aprender muito e levar essas experiências a outros países. O Brasil tem boa agricultura, matriz de geração de energia elétrica muito limpa e medidas para supervisionar a conservação das florestas.

O Brasil defende que os países em desenvolvimento tenham maior voz no Bird. Como isso pode ser feito?

DABOUB: O presidente do banco, Robert Zoellick, deixou claro que é muito importante os países em desenvolvimento terem maior presença nas decisões. Mas isso transcende a direção do banco, porque precisa ser decidido pelos países-membros. Vemos com bons olhos que haja maior participação, com maior compromisso e responsabilidade.

Existe outra forma de países como o Brasil terem mais espaço no Banco Mundial?

DABOUB: Há muitas experiências no Brasil com biocombustíveis, agricultura e proteção ambiental. O banco tem interesse em trazer para a mesa os países que queiram aprender com essas experiências. Países asiáticos e africanos podem aprender muito com a forma como o Brasil criou a matriz energética limpa, que deveria ser modelo. Acreditamos que essas experiências precisam ser compensadas com benefícios econômicos. Defendemos isso na reunião de Bali (13ª Conferência da Convenção de Mudança Climática das Nações Unidas).

O Brasil agora está na categoria de alto índice de desenvolvimento humano, mas tem muitos problemas na saúde e educação. Qual é a visão do banco sobre o país hoje?

DABOUB: Ainda faltam algumas reformas que permitam a manutenção do desenvolvimento de forma sustentável a longo prazo. É preciso evitar cair na armadilha dos países de média renda. Às vezes pensamos que resolvemos determinado problema, mas acabamos vendo que ainda há desafios. É como nadar no mar com uma mochila nas costas. Se você pára, afunda. O Brasil vai bem na área social em programas como o Bolsa Família, mas tem que prestar atenção à maior eficiência nos gastos públicos e reduzir a burocracia. Esses são obstáculos a investimentos privados, que geram emprego e dão dignidade às pessoas.

Uma de suas atribuições é formular políticas de infra-estrutura para os países-membros do Bird. Como está o Brasil nessa área?

DABOUB: Parece que o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é uma resposta adequada, pois torna chave os investimentos em infra-estrutura. O fato de o programa propor a participação público-privada é importante, porque é muito difícil um país ter todos os recursos para os investimentos necessários. Outros atores são importantes. O Estado tem papel muito importante em criar as regras do jogo, prover maior previsibilidade possível. Nesse sentido, a decisão de investir em infra-estrutura com esses critérios de muita consciência de meio ambiente é positiva.

O governo é criticado porque muitos investimentos do PAC não saíram do papel. Como o banco vê isso?

DABOUB: Não conheço tanto da realidade do Brasil para dar uma opinião detalhada. Posso dizer que a burocracia muitas vezes é muito mais lenta do que a visão. Algumas coisas requerem uma legislação e, se isso não acontece ou acontece tarde, provoca algum impedimento.

Qual é posição do Bird em questões polêmicas, como as sobretaxas impostas ao etanol brasileiro, considerando que a instituição representa países ricos e em desenvolvimento?

DABOUB: O banco é um ente que fomenta diálogo entre partes. Convida-as para a mesa e coloca sobre ela experiências do que já funcionou ou não. Mas somos claros sobre a urgência para que a Rodada Doha (para formatar novas regras comerciais na OMC) chegue a final feliz. Subsídios não devem continuar existindo. Isso é um exemplo de uma posição expressiva. Nas mudanças climáticas, o banco está convencido da necessidade de reconhecer serviços que países como o Brasil prestam por meio de instrumentos de mercado (caso do etanol).

Mas o país sofre com o avanço da agricultura em áreas de preservação, como no caso do etanol. Isso preocupa o Bird?

DABOUB: Uma área promissora é o uso agrícola de terras já desmatadas e abandonadas. Com incentivo adequado e fiscalização, essas áreas poderiam absorver a pressão sobre a floresta e gerar renda e empregos. Um sistema bem planejado de incentivos para valorizar a floresta e seus serviços e uma boa rede de áreas protegidas são parte da solução. O Bird está se engajando na Amazônia para apoiar esses esforços.