Título: Integração regional em xeque
Autor: Oliveira, Eliane; Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 09/12/2007, O Mundo, p. 57

Conflitos territoriais, diplomáticos e domésticos põem em risco aproximação na América do Sul.

Em meio a esse cenário, nações como Venezuela, Bolívia e Equador adotam projetos nacionalistas e passam por momentos de crise política que, de alguma forma, afetam suas relações com os vizinhos. A nacionalização das reservas de gás e petróleo na Bolívia é um exemplo que teve como conseqüência o risco de queda no fornecimento de gás para Brasil e Argentina.

- Existem inúmeras Américas do Sul, e não uma só - resumiu Amado Cervo, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, explicando que cada país tem soluções nacionais, o que aumenta os conflitos bilaterais. - A diversidade leva a uma dispersão das políticas exteriores.

Chávez, um ponto nevrálgico

Para Rubens Ricupero, professor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), três países radicalizaram ao dizerem ao continente o que pretendiam em termos de política interna: Venezuela, Bolívia e Equador. Seus presidentes optaram por aquilo que hoje está sendo chamado de refundação constitucional, uma espécie de processo pelo qual a Constituição está sendo revista, sendo o caso mais dramático o boliviano.

- São processos políticos diferentes daqueles em que a alternância do poder está se dando de maneira normal, como Brasil, Argentina, Chile e Colômbia - disse Ricupero, que também foi ministro da Fazenda e secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Em sua opinião, Chávez é "o mais belicoso". Ordenou uma ação militar na Guiana, sem dar qualquer satisfação às autoridades do país, e desperta preocupação entre os vizinhos, por conta do armamento pesado que vem comprando ao longo dos últimos meses.

- Ele está se armando até os dentes - destacou Ricupero.

Segundo fontes do governo brasileiro, Chávez criou problemas para Peru, México e - quase - o Brasil, ao fazer campanha para candidatos em eleições nesses países. Em recente encontro com a presidente do Chile, Chávez levou um puxão de orelhas de Michelle Bachelet, por interferir na disputa entre chilenos e bolivianos.

Conflitos de novo tipo surgiram na região

Com isso, há uma espécie de polarização na América do Sul que leva uma banda da região em direção aos EUA (Chile, Peru e Colômbia), em busca de acordos bilaterais de livre comércio. O Brasil não entra, porque não negocia sem os demais sócios do Mercosul. Venezuela e Bolívia ficam de fora, em razão do discurso antiamericano.

Na visão do professor Juan Tokatlián, do mestrado de relações internacionais da Universidade San Andrés, de Buenos Aires, nos últimos anos surgiram novos tipos de conflito na região, que se somaram aos clássicos territoriais. A chamada guerra do papel, protagonizada pelos governos de Argentina e Uruguai, é um claro exemplo, já que a disputa foi desencadeada por uma questão ambiental. Os argentinos se colocam fortemente contra a instalação de duas fábricas de celulose no Rio Uruguai.

- Com o surgimento de novos conflitos, temos uma superposição de tensões na região que não favorece a integração - disse Tokatlián. - As negociações no Mercosul ficaram muito mais complicadas desde que a Argentina e Uruguai estão em crise.

Para o cientista político Leonardo Barreto, embora seja tida como prioritária para os países da América do Sul, a integração está congelada. Até a adesão da Venezuela ao Mercosul, que parecia simples, pode não se concretizar, diante da forte oposição de setores políticos brasileiros. - Além dos problemas numerosos, que vão desde o narcotráfico até contenciosos econômicos, os sul-americanos ainda enfrentam a ameaça de um colapso energético na região. A situação é delicada em todos os aspectos.