Título: Sem causa
Autor: Lima, Geddel Vieira
Fonte: O Globo, 10/12/2007, Opinião, p. 7

Greve de fome como método de pressão política só fez sentido na História em lutas libertárias contra injustiças extremas. Foi assim que Gandhi encerrou a colonialismo inglês na Índia e que, muitas vezes, presos conseguem denunciar regimes de torturas.

Na forma, a greve de fome do bispo de Barra, Dom Luís Cappio, aproxima-se da estética dos mártires. No conteúdo, não. Ele diz protestar contra a transposição e a favor da revitalização do Rio São Francisco, o que justificaria seu gesto radical. É um erro banalizar esse meio sagrado de luta, que exige causa nobre ou iniqüidade de proporção. E isso é tudo o que não é o projeto do governo para o São Francisco.

Atitudes assim embutem o vício de pensar que a democracia pode se dobrar a um indivíduo. Em democracia, desrespeitar ritos é pecado capital. Se seu gesto traz algum benefício, pode ser o de lançar luz sobre dois temas vitais: a convivência com a seca e o cuidado ambiental com o São Francisco.

Dom Cappio diz que a transposição vai prejudicar o rio, embora o Projeto de Interligação retire apenas 26 metros cúbicos de água por segundo depois da barragem de Sobradinho. Ou seja, 1,4% da vazão que vai ser perder no mar. Já a idéia de que a obra vai beneficiar os ricos é acusação injusta do religioso. A água da Interligação atenderá às cidades do semi-árido, onde a pobreza é notória. A tentativa de Dom Cappio de atentar contra sua vida choca com as necessidades de 12 milhões de pernambucanos, paraibanos, potiguás e cearenses.

O bispo acrescenta que se imola pela revitalização, desconsiderando que as ações de revitalização são realidade. Sua própria diocese, Barra, sedia o campo de provas, onde biotecnologia está sendo aplicada para repor mata ciliar e conter barrancas. Além disso, Barra e outros 170 municípios da bacia estão recebendo saneamento básico e ambiental.

Se a razão não convence Dom Cappio só nos resta fazer o que estamos fazendo: assegurar o cuidado médico que seu ato cada vez mais vai exigir. Na passagem pelo Brasil, o Papa Bento XVI nos deixou uma mensagem de sabedoria: "Se a Igreja começasse a se transformar diretamente em sujeito político, não faria mais pelos pobres e pela justiça, mas, pelo contrário, faria menos, porque perderia sua independência."

Do ponto de vista moral, o projeto São Francisco é um avanço contra o coronelismo. Do ponto de vista técnico, tem sólidos argumentos. Do ponto de vista democrático, não pode ser atropelado por uma imagem, por mais comovente que ela seja. Torço para que essas palavras possam tocar o coração de Dom Cappio.

GEDDEL VIEIRA LIMA é ministro da Integração Nacional.