Título: Entidades criticam bolsa estupro
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 11/12/2007, O País, p. 11

Deputados tentam aprovar salário mínimo para vítimas que tiverem o filho.

BRASÍLIA. Dois parlamentares evangélicos, e contrários ao aborto em qualquer situação, tentarão aprovar hoje, na Comissão de Seguridade Social da Câmara, um projeto que estimula mulheres vítimas de estupro que engravidarem a dar à luz. Em troca, a mãe receberia um salário mínimo por mês até a criança completar 18 anos. Opositoras da proposta, entidades feministas batizaram a iniciativa de "bolsa estupro". Os autores do projeto são os deputados Henrique Afonso (PT-AC) e Jusmari Oliveira (PR-BA).

Os dois parlamentares argumentam que o filho fruto do estupro é, entre outros filhos, o "preferido" da família. "Se no futuro a mulher se casa e tem outros filhos, o filho do estupro costuma ser o preferido. Tal fato tem uma explicação simples na psicologia feminina: as mães se apegam de modo especial aos filhos que lhes deram maior trabalho", afirmam, na justificativa do projeto. O relator, José Linhares (PP-CE), padre da Igreja Católica, deu parecer favorável ao pagamento da mensalidade.

O estuprador é chamado de pai pelos autores do projeto e o aborto é classificado como uma injustiça monstruosa com o feto. "Será justo que a mãe faça com o bebê o que nem o estuprador ousou fazer com ela: matá-la?", indagam Henrique e Jusmari.

Mulher que forjar estupro pode ser presa

Para receber o auxílio, o estupro terá que ser comprovado na Justiça. Se uma mulher tentar forjar uma gravidez nessas condições para receber a bolsa, poderá ser condenada a até quatro anos de reclusão. Pela legislação atual, é um direito da mulher que ficou grávida após um estupro interromper a gravidez.

Durante a votação, nove entidades ligadas a movimentos feministas vão distribuir nota em que criticam o projeto e dizem que se trata de abordagem moralista e estreita. Elas criticam a exigência de processo judicial para se comprovar um estupro e argumentam que, no tribunal, uma decisão dessa demora três anos. "O processo judicial é moroso e incompatível com a agilidade necessária, o que tende a inviabilizar o aborto legal", diz o texto das entidades.

As ONGs também afirmam que pagar um salário mínimo para uma mãe vítima do estupro é estigmatizar a criança gerada em situação de violência sexual. "Aprovada, essa lei vai criar uma exceção e tornaria o Estado cúmplice da violência praticada contra as mulheres".