Título: Valor surpreende concorrência e especialistas
Autor: Ordoñez, Ramoa; Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 11/12/2007, Economia, p. 27

ÚLTIMA FRONTEIRA: Grandes consumidores de energia temem pagar a conta, com alta de tarifas no mercado livre.

Analistas especulam que investimento será menor que os R$9,5 bilhões previstos ou que Furnas terá retorno menor.

RIO e BRASÍLIA. O preço oferecido pelo consórcio vencedor no leilão da hidrelétrica de Santo Antônio - 20% abaixo do previsto pelo mercado - deixou perplexos concorrentes e especialistas. Especula-se que o grupo formado por Furnas e Odebrecht possa estar fazendo uma aposta dobrada nas hidrelétricas do Madeira, ou seja, contando que levará também a usina de Jirau, a ser leiloada em 2008, para compensar o investimento em Santo Antônio. Ou então que o consórcio vencedor esteja, na prática, trabalhando com um custo de investimento inferior ao estimado pelo governo, de R$9,5 bilhões.

Outra razão para o valor ficar tão abaixo do estimado seria a presença no consórcio de Furnas, que, por ser estatal, permitiria uma redução na taxa de retorno do investimento. No mercado, comenta-se ainda que as duas construtoras que integram o grupo (Odebrecht e Andrade Gutierrez) possam estar mais interessadas em ganhar na fase de obras, e não em se tornarem geradoras de energia.

Enquanto isso, os grandes consumidores de energia (indústrias, shoppings e outros) estão em estado de alerta, temendo uma alta de tarifas. Como o preço de R$78,87 para o cliente residencial ficou muito baixo, os investidores de Santo Antônio poderiam repassar seus custos no mercado livre, voltado para os grandes consumidores. Da energia a ser gerada na hidrelétrica, 70% serão destinados ao mercado cativo (que tem, na ponta, o cliente residencial) e 30% no mercado livre.

- Ninguém entra para perder dinheiro. Mas as contas não fecham. Com o preço de R$78,87 (por megawatt-hora) no mercado cativo, mesmo para obter um retorno menor, de 12% ao ano, o consórcio teria que cobrar R$142 dos grandes consumidores, o que fica acima das tarifas hoje praticadas no mercado livre - afirma Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE).

Consórcio pode buscar rentabilidade em Jirau

Analista de energia do Banco Brascan, Diego Núñez especula que uma das razões para a tarifa residencial tão baixa é o fato de que há, no grupo, dois sócios privados do setor de construção civil. Eles poderiam estar planejando vender, no futuro, suas participações no projeto.

- Outra explicação pode ser que eles (o consórcio vencedor) tenham um custo de construção bem menor do que o previsto pelo governo. Afinal, foram eles mesmos que elaboraram esses estudos (para o leilão) desde 2001 - disse Núñez.

O analista levanta ainda a hipótese de que o consórcio pretenda recuperar a rentabilidade perdida em Santo Antônio em outros projetos na Região Norte, como a usina de Jirau (também no Rio Madeira), a hidrelétrica de Belo Monte e outras.

Núñez teme, porém, que o consumidor seja prejudicado no futuro, com nova escassez de energia no mercado. Para o analista, caso o preço oferecido pelo consórcio vencedor se torne referência para outros projetos na Região Norte, isso poderá afugentar investidores privados:

- O governo não tem recursos para atender sozinho o aumento da demanda futura.

O preço de Santo Antônio ficou bem inferior ao das tarifas do último leilão de energia nova realizado pelo governo, em outubro, quando os contratos das hidrelétricas foram negociados entre R$125,90 e R$131,49 por MWh. Mas os analistas lembram que as usinas do Madeira têm enormes vantagens de escala. E há mais de dez anos não era construída uma grande hidrelétrica no país. Também não é possível comparar os preços atuais com os das grandes hidrelétricas do passado - entre R$10 e 15 por MWh - porque, nestes casos, os investimentos já foram amortizados.

Para Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ, o preço baixo pode indicar que os investidores estão contando com retorno a longo prazo.

- Os últimos leilões foram quase todos de térmicas, que têm vida útil de 20 a 25 anos e participação predominante do setor privado. O consórcio vencedor hoje (ontem) pode ter uma abordagem diferente. Hidrelétrica é um investimento seguro, com venda garantida pelos próximos cem anos - avalia Schaeffer, que faz porém uma ressalva: - Só espero que nesse preço baixo não esteja embutido um descuido ambiental.

Santander poderia financiar equipamento a taxa européia

Ex-secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia, Afonso Henriques acredita que uma das hipóteses para a tarifa baixa é que Furnas, que participa do consórcio com 39%, tenha uma taxa de retorno menor, que ele chamou de "patriótica". Segundo o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, a taxa seria semelhante à do BNDES quando financia empreendimentos, de 8% ao ano.

Outra possibilidade, diz Afonso Henriques, seria o Santander, integrante do consórcio, financiar a taxas européias a compra de equipamentos para a usina. Esses motores e turbinas, por causa do câmbio, poderiam ser comprados na Índia e na China.

Para Eduardo Spalding, vice-presidente da Abrace, associação que reúne os grandes consumidores, a preocupação é com uma alta de custo:

- O valor foi surpreendentemente bom para o cidadão brasileiro. Mas nos preocupa que esse preço baixo signifique, para os clientes industriais, alta de custos. No mercado livre, a tarifa está entre R$125 e R$135. Acreditamos que Santo Antônio tentará vender acima disso.

Mário Menel, presidente da Associação Brasileira dos Autoprodutores de Energia Elétrica (Abiape), que representa grandes empresas como Vale e Gerdau, também teme uma alta:

- Eles (o consórcio vencedor) vão vender a energia com preço bem acima do atual. Com isso, as empresas brasileiras perderão competitividade.

As empresas que vendem nesse mercado, porém, não estão tão pessimistas. Walter Fróes, vice-presidente da Abraceel, associação que reúne os comercializadores, lembra que o volume de energia a ser gerado por Santo Antônio representa menos de 4% do volume negociado hoje no mercado livre.