Título: Seguridade no país é bancada por mais pobres
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 11/12/2007, Economia, p. 28

Tributos que financiam políticas de saúde, previdência e assistência social pesam mais para quem ganha menos.

Enquanto o herói mítico inglês Robin Hood tirava dos ricos para dar aos pobres, no Brasil, o Estado tira dos pobres para dar aos ricos. Com base na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do IBGE, o economista da Universidade de Brasília (UnB) Evilásio Salvador investigou as fontes de financiamento do Estado e concluiu que a seguridade social do país é sustentada, sobretudo, pelos trabalhadores mais pobres, justamente os que deveriam ser os principais beneficiários dessas políticas.

Segundo o estudo, os recursos para as ações de saúde, previdência e assistência social vêm, em sua maior parte (quase 90%), do pagamento de tributos, sejam eles diretos sobre a renda (26,34%) ou indiretos, embutidos nos preços de bens e serviços (62,65%). A questão é que a carga tributária dos trabalhadores com salários de até dois mínimos é quase o dobro da dos que ganham mais de 30 mínimos. E o pior: essa diferença só vem aumentando ao longo do tempo.

Pelos dados da POF de 2004, a carga tributária dos trabalhadores que ganham até dois mínimos foi de 48,8% da renda familiar. Já para os mais ricos, com rendimento acima de 30 salários mínimos, o percentual foi de 26,3%. A diferença era menor oito anos antes. De 1996 a 2004, o peso da carga tributária subiu 20,6 pontos percentuais para a base da pirâmide, ao paso que no topo dela o acréscimo foi bem menor: de 8,4 pontos percentuais.

A análise consta do relatório "Dignidade e direitos - Seguridade social como direito universal", do Observatório da Cidadania e da rede internacional Social Watch, que será lançado hoje, no Rio, pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). O documento, que trata da questão da seguridade social no mundo, dedica quatro capítulos ao Brasil.

- Ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, no Brasil é comum o Estado tirar mais de 50% da sua receita de tributos indiretos, que incidem sobre o consumo. A tributação sobre a renda gira em torno de 25% - calcula Salvador, chamando atenção para o fato de que, nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a situação é inversa. - Lá, os impostos sobre o consumo representam 32,1% da tributação total, em média, enquanto os impostos sobre renda são 35,4%.

O economista Paulo Tafner, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), concorda em parte com as argumentações de Salvador. Mas, para ele, o maior problema do Brasil não é o desequilíbrio apontado no relatório do Ibase, e sim a pouca cobertura da seguridade social no país:

- A ausência de cobertura previdenciária, sobretudo entre os jovens, é o maior problema brasileiro.

Para mudar essa situação, Tafner defende a redução da alíquota de desconto da Previdência Social sobre o salário das faixas etárias mais jovens. Entre o público de 21 anos a 29 anos, o economista considera que o ideal seria reduzir a parcela paga sobre o rendimento do empregado de 10% para 8%, e a do empregador, de 20% para 16%. Até 21 anos, o cálculo deveria ser feito com base em meio salário mínimo, sugere ele, e os percentuais seriam ainda menores: de 5% e de 12%, respectivamente.

Cobertura no Brasil é superior à média da AL

A rede internacional Social Watch constatou que mais da metade da população do mundo está excluída da seguridade social e apenas 20% dela têm uma cobertura adequada.

No Brasil, a cobertura é superior à média da América Latina e do Caribe. Aqui, 47,8% dos trabalhadores estão cobertos, enquanto na região, onde se verifica a predominância de um forte mercado de trabalho informal, a média de pessoas ocupadas que contribuem com o sistema de seguridade social é de 38%. Na zona urbana, esse percentual atinge 45,4%, e na zona rural, 21,9%. O Peru é o país da região com o percentual de cobertura mais crítico (13%), enquanto a Costa Rica tem o melhor: 65,3%.