Título: Tempos diferentes, votações históricas
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 12/12/2007, O País, p. 3

Pressão do governo e importância para a economia lembram sessões de 1983.

O empenho do governo Lula para aprovar a prorrogação da CPMF e a pressão do Executivo para que o Senado chancele o que hoje é apresentado como um salvador da pátria da economia na gestão petista deram caráter histórico à votação desta tarde. Momentos que fazem lembrar os dias vividos pelo Congresso nos três últimos meses de 1983: com igual esforço, o governo João Figueiredo (PDS) tentou aprovar uma sucessão de decretos que reviam a própria política salarial implementada em 1979 - entre eles, o 2.045, que reajustava os salários em 80% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Os argumentos eram parecidos:

- Não há alternativa nenhuma para o 2.045 - dizia o então ministro do Planejamento, Delfim Netto, em defesa semelhante à repetida à exaustão pelos ministros de Lula.

A política salarial do governo Figueiredo previa reajustes superiores em 10% do aumento do custo de vida, medidos pelo INPC, a quem ganhava até três salários-mínimos. Quem recebia de três a dez tinha como aumento o mesmo percentual do INPC. Para os maiores salários, o indexador era menor do que a variação dos preços. O pacote de decretos do Ministério do Planejamento tentava mudar a política, com a argumentação de que ela estimulava o aumento da inflação.

Na noite de 20 de setembro de 1983, uma confusa sessão no plenário da Câmara, com deputados e senadores reunidos, impunha uma derrota sem precedentes ao governo e marcava um novo tempo nas relações entre os dois poderes. O decreto-lei 2.024, que reduzia para a faixa entre três e sete salários mínimos a indexação do aumento pelo valor do INPC, foi rejeitado por 252 votos a um. Numa manobra comum aos governos, quando temem derrotas, o então líder do PDS - partido do presidente Figueiredo - no Senado, Aloysio Chaves, levantou uma questão de ordem: pediu que só houvesse sessão com a maioria dos senadores em plenário. O então presidente do Senado, Nilo Coelho, que presidia a sessão conjunta, rejeitou e proclamou:

- Não sou presidente do Congresso do PDS, sou presidente do Congresso do Brasil. Não freqüento cafuas.

O então presidente do PMDB, deputado Ulysses Guimarães, foi enfático:

- Depois do que aconteceu aqui nesta noite, nada será como antes no Congresso.

No dia 18 de outubro do mesmo ano, outra derrota: o 2.045 também foi rejeitado pelo Congresso. A votação causou comoção nacional e levou o presidente Figueiredo a decretar medida de emergência no Distrito Federal. O aparato não foi suficiente para impedir a rejeição.

Depois de dizer que não negociaria com a oposição, o governo foi obrigado a recuar. Em outro texto, reduziu o prejuízo dos trabalhadores, aumentando para 87% do INPC o valor do reajuste de todos os salários. Criava-se o decreto 2.065, esse, sim, aprovado por deputados e senadores. Uma coincidência trágica: no mesmo dia em que o novo decreto foi aprovado, 9 de novembro de 1983, Nilo Coelho morreu, vítima de um infarto. Estava rompido com o Palácio do Planalto.

A historiadora Marly Silva da Motta, do CPDoc da Fundação Getulio Vargas, lembra que os parlamentares, em 1983, foram pressionados pela população a rejeitar os decretos:

- Hoje a oposição encontrou na prorrogação da CPMF mais uma maneira de enquadrar o governo do que uma bandeira popular. Naquele momento as formas de pressão eram outras. Ainda estávamos na ditadura.