Título: Gastança reduzida
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 23/04/2009, Política, p. 2

De agora em diante, deputado só viaja para o exterior a trabalho. Levar parentes à custa de dinheiro público também está proibido.

O que passou, passou. A ação entre amigos, feita pelos deputados deu resultado. Aqueles que se beneficiaram da farra das passagens aéreas não serão responsabilizados, nem obrigados a devolver o dinheiro para os cofres públicos. Ficou tudo em casa. Esse é o efeito colateral das consequências das medidas impostas ao uso de bilhetes aéreos anunciadas ontem pelo presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP).

As medidas de Temer visam acabar com a utilização indiscriminada das passagens. O pacote restringe o benefício ao deputado e a um assessor do gabinete. Família e terceiros estão proibidos. Passagem para o exterior, só a serviço e com autorização da Terceira-Secretaria. Nessa proposta, ele também anunciou um estudo sobre a viabilidade de elevar os salários dos deputados de R$ 16,5 mil para R$ 24,5 mil (equivalente ao vencimento de um ministro do Supremo Tribunal Federal) e acabar com a verba indenizatória de R$ 15 mil mensais.

¿Para a tranquilidade dos senhores parlamentares, quero reiterar que, no passado, ninguém agiu de forma ilícita¿, afirmou Temer ao anunciar, em plenário, a alteração das regras. O presidente consultou líderes governistas, oposicionistas e os integrantes da Mesa Diretora. A mudança só foi acertada depois de garantido o perdão. ¿Aqueles que se utilizaram das passagens, sem que houvesse regras claras e precisas a respeito, não cometeram ilícitos de qualquer natureza¿, sustentou Temer.

Essa falta de clareza nas regras a que se refere o deputado fez com que parte considerável da Câmara utilizasse as cotas da maneira que lhe conviesse, levando familiares para Paris, Milão, Nova York, Madri e Miami, trazendo aliados para Brasília e até distribuindo os bilhetes para os amigos. O escândalo chegou a bater na porta de Temer, que admitiu ter utilizado a cota para parentes. O primeiro caso de abuso envolveu o deputado Fábio Faria (PMN-RN). Ele utilizou dinheiro público para pagar a passagem de atores que prestigiaram um camarote que ele mantém no Carnatal, o carnaval fora de época do Rio Grande do Norte.

A Câmara também vai detalhar na internet como o dinheiro das passagens aéreas está sendo utilizado. Outra mudança proposta por Temer é o fim da cumulatividade dos créditos. Depois de um determinado período, a ser definido pela Casa, quem não utilizar o dinheiro terá de devolvê-los aos cofres públicos.

A maneira como Temer anunciou as medidas gerou protesto na Câmara. O deputado Ciro Gomes (PSB-CE) questionou o motivo da mudança. ¿Se ele mesmo (Temer) disse que essa regra que vale há mais de 40 anos era lícita, por que mudar?¿, questionou o parlamentar cearense. Ciro sugeriu ao presidente da Câmara convocar rede nacional de rádio e televisão para explicar as medidas tomadas. Ele afirmou jamais ter utilizado a cota e que devolveu aos cofres públicos R$ 189 mil referentes ao exercício de 2007 e 2008.

Houve deputado que criticou a mudança e defendeu o uso pelas famílias. ¿Não é justo que as mulheres e os filhos dos parlamentares não possam vir a Brasília. É preciso acabar com o teatro da hipocrisia. Quer dizer que agora eu venho para Brasília e minha mulher fica lá? Assim vocês querem que eu me separe. Esta decisão não é correta. É uma decisão acuada¿, afirmou o deputado Silvio Costa (PMN-PE).

Inquérito aberto pelo Ministério Público Federal em Brasília identificou uma série de irregularidades na utilização de cotas de passagens. De janeiro de 2007 a outubro de 2008, segundo a apuração do MPF, a Câmara gastou R$ 81,5 milhões em bilhetes aéreos. Desse volume, R$ 2,5 milhões tinham como destino viagens ao exterior.

Sobre o aumento salarial, Temer explicou que só será efetivada se houver vantagens econômicas ao país e à Câmara. ¿Se não houver vantagens econômicas para o país, não se cogitará aumento salarial, mas dele não quero falar agora, porque só falaremos de outras matérias quando tivermos essa matéria globalmente examinada¿, afirmou o presidente da Câmara. O fim da ajuda de R$ 15 mil mensais recebeu apoio do ministro de Relações Institucionais, José Múcio. ¿Sou contra verba indenizatória. Nas mãos dos bens intencionados tem uso correto, mas quem não quer seguir as regras contamina os outros. Deveríamos colocar um salário mais compatível¿, disse Múcio.