Título: O perde, perde
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 13/12/2007, Economia, p. 30

Quem ganhou a briga da CPMF? Ninguém. O governo demonstrou imperícia e incapacidade de fazer uma proposta de longo prazo para o conflagrado terreno dos tributos no Brasil. Cedeu ao fisiologismo, mas não cedeu à oposição. O PSDB dividiu-se e saiu cheio de fraturas. O governo, no final, correndo riscos, mandou votar para se livrar das pressões da sua própria base.

Até o fechamento desta coluna, não se sabia o resultado da votação. Mas a lista de perdedores permanece qualquer que seja o desfecho: a oposição perde pela luta interna que deixou feridas; o governo porque não tem um projeto para enfrentar a questão tributária, gasta demais e acaba refém de chantagens de sua própria base. O próprio presidente Lula disse a um interlocutor que, se adiasse a votação, iria aumentar ainda mais a pressão em torno dele por mais concessão. Nos últimos dias, Lula falou com políticos de todos os partidos. Não foi apenas o pão com ovo ao DEM, do governador José Roberto Arruda. Falou com vários outros. Com alguns usou a estratégia de pegar carona em telefonema de alguns dos seus operadores.

O ministro Paulo Bernardo foi abatido nos últimos dias por uma forte gripe, mesmo assim, ontem estava na ativa. O deputado Antonio Palocci ficou ao lado do presidente telefonando para a oposição e para recalcitrantes. Quando achava que havia brecha, passava o telefone para o próprio presidente Lula.

Foi assim que fez com o governador José Serra. No retorno da ligação, Palocci passou o telefone para o presidente Lula. Serra não precisava ser convencido, ele, como ex-ministro da Saúde, achava uma temeridade a posição do PSDB.

O dia ontem foi longo, e começou exatamente à meia-noite quando, na casa do senador Sérgio Guerra, chegaram Palocci, o governador Eduardo Campos e o senador Arthur Virgílio. De lá saíram depois das três da manhã.

Palocci apresentou todos os argumentos para votar a favor da CPMF. Os mesmos que, um dia, o PSDB apresentou também, em vão, ao próprio PT: um imposto fiscalizatório, que tem uma destinação nobre. Nada demoveu Arthur Virgílio. Em determinado momento, Palocci disse ao líder do PSDB:

- Isso é birra sua, Arthur Virgílio!

- Era birra também quando eu defendia seu bom programa fiscal que seu próprio partido está dilapidando?

O senador Marconi Perillo chegou a dizer ao presidente Lula que votaria a favor. Ontem, diante da veemência do líder, voltou atrás.

Os governadores tucanos pressionaram os senadores. Foi dura a conversa entre Aécio Neves e Sérgio Guerra. Foi tensa a conversa entre José Serra e Arthur Virgílio. Os secretários de Saúde, unidos numa aliança suprapartidária, fizeram romaria no Senado. Vários senadores tucanos mudaram de idéia no começo da tarde. Arthur Virgílio ameaçou ir para a tribuna e, de lá, renunciar ao cargo de líder da oposição. Só assim, unificou a bancada.

- O Brasil precisa de mais dinheiro para a Saúde, gastamos per capita a metade do que a Argentina gasta e nossos serviços são muito mais amplos - argumentou Osmar Terra, secretário de Saúde do governo tucano do Rio Grande do Sul.

O argumento de Arthur Virgílio é que o governo usará o dinheiro para mais gastança:

- O governo Lula quer arrecadação máxima, gasto máximo e nenhum compromisso com qualquer corte de gastos.

Este governo recusou todas as boas idéias que surgiram dentro do próprio governo para se encontrar uma solução de médio e longo prazos para disciplinar os gastos.

Em 2005, quando os ministros Palocci e Paulo Bernardo propuseram um limite nos gastos de longo prazo, a ministra Dilma Rousseff disse que a idéia era "rudimentar". No início deste ano, o governo poderia ter apresentado um projeto de prorrogação da CPMF com alguma partilha e futura redução. Os governadores fizeram essa proposta, mas Lula preferiu acelerar os gastos.

Mas uma das constatações mais impressionantes foi a maneira incompetente como o governo levou a negociação: perdeu tempo demais na tramitação na Câmara, onde tinha votos, e chegou tarde ao Senado, onde não tinha votos suficientes. Oscilou entre declarações de já ganhou, como a feita semanas atrás pelo ministro Guido Mantega, e ameaça à oposição; cooptou senadores da oposição e tirou senadores governistas da CCJ. Ceder mesmo só o fez ao fisiologismo.

A conta para tentar manter a CPMF saiu cara. A Assessoria de Orçamento da Liderança do DEM fez o acompanhamento das emendas específicas (feitas por um único parlamentar) ao Orçamento. Só em novembro, os empenhos chegaram a R$644 milhões, o que é seis vezes superior ao empenho de novembro de 2006, mês após as eleições. Em dezembro, até o dia 7, os empenhos já chegaram a R$230 milhões, o que é superior a boa parte dos demais meses do ano.

O pior perdedor, em qualquer desfecho, é o contribuinte. Se vencesse, o governo comemoraria com mais gastos e menos compromisso com a austeridade. Se for confirmada a tendência da derrota, o governo já pensa em plano B: aumento do IOF, taxação de commodities e redução do superávit primário. Em nenhuma hipótese, pensou num bom projeto de médio e longo prazos para deter a aceleração das despesas. Deve achar que isso é "rudimentar".