Título: Inflação e inadimplência rondam a economia
Autor: Melo, Liana; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 13/12/2007, Economia, p. 33

PIBÃO: Crescimento maior muda padrão de consumo, e economistas estão preocupados com ritmo de expansão

Choque agrícola transforma abóbora, feijão e leite nos maiores vilões dos aumentos dos preços em 2007

RIO e SÃO PAULO. Não chega a assombrar, mas o fantasma da inflação está voltando lentamente a rondar a economia brasileira. O seu avanço está sendo detectado por três diferentes indicadores: o IGP-M, medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV); o IPC, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe); e o IPCA, apurado pelo IBGE e usado pelo governo no sistema de metas de inflação.

A alta dos preços dos alimentos é, junto com o aumento da inadimplência, a maior fonte de preocupação de especialistas em relação ao crescimento da economia, que está fechando o ano com uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) na faixa dos 5%.

Eventos climáticos de grandes proporções - como secas e chuvas prolongadas, tanto aqui quanto no exterior - acabaram causando choques agrícolas, que jogaram os preços dos produtos lá para cima. O IBGE registrou, no IPCA, que os preços dos alimentos e bebidas já subiram no ano até agora 8,55%. No período, o índice geral avançou apenas 3,69%. A abóbora foi disparado o maior vilão da inflação nos 11 primeiros meses do ano. Seu preço já teve alta de 90,65%. Pressões igualmente intensas foram exercidas pelos aumentos de preços da batata (78,35%), feijão (76,29%) e leite (47,15%).

IGP-M registra a maior alta desde 2003

Economistas como Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, e Salomão Quadros, da FGV, não acreditam no estouro da meta de inflação, que foi estipulada pelo governo em 4,5% para este ano. O mesmo nível foi fixado para 2008 e 2009. Só que ambos estão preocupados com o comportamento futuro de alguns preços, como o de combustíveis. Eles explicam que a escassez desses produtos é generalizada no mundo.

- O crescimento das economias, inclusive a brasileira, está provocando um mudança no padrão de consumo. Não são apenas os alimentos que os consumidores estão comprando mais. Eles também estão consumindo mais energia - comentou Cunha, defendendo que, por isso, o Banco Central (BC) deveria manter a postura conservadora em relação à taxa básica de juros, hoje em 11,25% ao ano. - É melhor deixar os juros como estão, porque, apesar das reclamações, a economia continua bombando. O governo deveria concentrar esforços nas reformas e tirar o foco dos juros.

Já Quadros, da FGV, está convencido de que as pressões inflacionárias exercidas até aqui foram neutralizadas pelo câmbio baixo. Sua maior preocupação, a partir de agora, é quanto a incapacidade da indústria do país de responder, a longo prazo, à pressão de demanda.

O economista-chefe da Concórdia Corretora, Elson Teles, outro especialista em inflação, também está preocupado com o ritmo da economia. É que a oferta, ressalta Teles, está crescendo em torno de 5% enquanto o consumo está acima de 7%:

- A inflação está subindo, a capacidade de produção da indústria está em níveis máximos históricos. Temos que ver por quanto tempo poderemos crescer nesse ritmo.

Na primeira prévia de dezembro, o IGP-M registrou uma inflação de 1,09%, ante alta de 0,34% em igual período de novembro. Foi o maior aumento desde janeiro de 2003. Já o IPC da Fipe, medido na cidade de São Paulo, subiu 0,71% na primeira parcial do mês - foi a mais elevada taxa desde a terceira leitura de janeiro, quando a inflação atingiu 0,85% na capital paulista.

No caso da Fipe, os preços do grupo alimentação foram os que mais pesaram. Os custos deste grupo subiram 2,23%, especialmente a carne bovina, que aumentou 9,47%. A alta dos alimentos respondeu por 70,75% da variação do IPC.

Expansão do crédito aumenta inadimplência

Descontrole financeiro é, segundo a Fecomércio-SP, o principal motivo alegado pelos consumidores para o aumento da inadimplência. Compras que variaram entre R$50 e R$400 representaram 71% das dívidas acumuladas pelos consumidores, até novembro último. Roupas e alimentos foram os produtos que mais estimularam a inadimplência: do total das compras, os dois setores responderam por 20% e 17%, respectivamente.

- Estamos vivendo um círculo virtuoso do crédito, o que é bom mas precisamos ficar atentos porque a inadimplência está subindo - comentou o vice-presidente da Telecheque, José Antônio Praxedes.

O Indicador Serasa de Inadimplência Pessoa Física apontou nova alta do calote. De janeiro a novembro deste ano, a inadimplência das pessoas físicas aumentou 1% em relação ao mesmo período de 2006. Nos dez primeiros meses de 2007, a inadimplência já havia subido 0,3% frente ao acumulado de janeiro a outubro do ano passado.

Quando comparamos novembro deste ano com novembro de 2006, a inadimplência dos consumidores subiu 7,9% e, na comparação com outubro, a alta foi de 0,2%.

Já as dívidas com os bancos foram responsáveis por 39,9% da inadimplência dos consumidores nos dez primeiros meses de 2007. De janeiro a outubro de 2006, o peso desses registros era menor: 32,2%.