Título: Derrotado, governo logo cria o Plano B
Autor: Beck, Martha; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 14/12/2007, O País, p. 3

A VIDA SEM CPMF

Sem CPMF, Lula deve elevar impostos e cortar reajustes salariais, mantendo o superávit e poupando o Bolsa Família

Ainda atordoado pela maior derrota do governo Lula no Congresso em cinco anos - na madrugada de ontem, o Senado rejeitou, por 45 votos a 34, a prorrogação da CPMF até 2011 -, o governo começou horas depois a montar um pacote para compensar as perdas com o fim da cobrança do imposto do cheque. Deverão ser combinadas medidas de aumento de impostos, corte de gastos, aproveitamento do caixa das estatais e redução de repasses a estados e municípios. A equipe econômica ainda não chegou a um consenso. Mas fez questão de garantir: não haverá redução do superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida). O objetivo foi acalmar o mercado financeiro com a derrubada da CPMF.

- Em nenhum momento vamos mexer na equação fiscal do país. Não haverá redução das metas fiscais (economia de 3,8% do PIB). Elas serão cumpridas rigorosamente - disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista na qual a preocupação central foi demonstrar que o governo "assumirá a responsabilidade" de manter o equilíbrio das contas públicas e garantir crescimento sustentado.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, reforçou o compromisso:

- Não se mexe no superávit. Essa foi uma recomendação do presidente Lula.

Mantega sinalizou, porém, que o governo será obrigado a encolher a política industrial (que previa desonerações tributárias de cerca de R$5 bilhões) e congelar a desoneração da folha de pagamento. A proposta de reforma tributária também terá ajustes. Mas ele não antecipou se haverá nova tentativa de prorrogar a CPMF.

Evitando o tom de tragédia que marcou os pronunciamentos anteriores do governo, Mantega fez questão de ressaltar que a área da saúde foi a mais prejudicada pela decisão do Senado, pois os recursos destinados à rubrica saltariam de R$45 bilhões para R$80 bilhões até 2010.

- É claro que a saúde perdeu cerca de R$40 bilhões adicionais que seriam alocados nos próximos três anos - disse o ministro, lembrando que, pela regulamentação da emenda 29, parte da arrecadação da CPMF iria para a Saúde.

Com esses sinais, Mantega disse que será montada uma equação que calibre elevação de impostos e corte nas despesas (em grande parte obrigatórias). Pelo lado das despesas, constam a implementação de contingenciamento mais forte no Orçamento de 2008, o aperto do custeio da máquina pública e a renegociação ou suspensão de reajustes salariais acertados com os servidores.

Outra frente seria aparar os R$18 bilhões de investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), particularmente para infra-estrutura e programas sociais (como saneamento e habitação).

- Não tem como tirar recursos da saúde e dos programas na área social, como o Bolsa Família. Vamos manter tanto quanto possível. A parte do PAC também queremos manter. Mas há investimentos que não estão no PAC e outras rubricas que podem ser cortadas - disse Paulo Bernardo.

Segundo técnicos da Consultoria de Orçamento da Câmara, a maior parte desses investimentos "cortáveis" referem-se às emendas individuais e de bancada apresentadas ao Orçamento, que somam R$19,1 bilhões.

Mantega apontou as prioridades do governo na hora de passar a navalha no Orçamento:

- As medidas deverão minimizar os prejuízos causados para os investimentos públicos e para os programas sociais.

Do lado das receitas, a situação é mais complicada. Uma grande quantidade de tributos necessita ter sua elevação autorizada pelo Congresso. Sobram os impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) e sobre Operações Financeiras (IOF). Porém, apostando em crescimento superior a 5% em 2008, a equipe econômica tem consciência de que aumentar o IPI é frear o setor produtivo.

Resta o IOF, mas o alcance do tributo é limitado. A alíquota é pequena e a arrecadação, baixa (R$6,4 bilhões até outubro). Sozinho, não faz frente à CPMF (R$30 bilhões no período). Mexer no Imposto de Importação é considerado pouco eficiente. O Executivo já conta com R$700 milhões que serão liberados com o fim da compensação previdenciária da isenção de CPMF sobre salários de até R$2,9 mil (como adicionado à proposta orçamentária de 2008).

Uma terceira linha de atuação será dividir o ônus com estatais e governos regionais, o que liberaria pelo menos R$6 bilhões para o governo. Ancorado no desempenho da Petrobras, o Executivo poderá elevar a meta de superávit das estatais de 0,65% para 0,80% do PIB. Em contrapartida, reduziria a sua na mesma proporção (0,15 ponto percentual), para 2,05% do PIB. Isso manteria o objetivo global em 3,8%. Outra possibilidade é reduzir o repasse dos recursos da Lei Kandir para compensação dos governos regionais exportadores, dos R$3,9 bilhões previstos no Orçamento para R$1,9 bilhão.

Paulo Bernardo admitiu que a alta do PIB indica aumento continuado da arrecadação, melhorando o quadro da receita de 2008 (tanto pelo faturamento das empresas como pela formalização do mercado de trabalho). Mas não arrisca o quanto a arrecadação poderá aumentar.

COLABORARAM: Geralda Doca e Henrique Gomes Batista