Título: Por que a Justiça é falha
Autor: Barbosa, Vivaldo
Fonte: O Globo, 14/12/2007, Opinião, p. 7

Os episódios das moças do Pará presas em xadrezes de homens, entre elas, uma menor de idade, não revelou apenas uma das faces cruéis da sociedade brasileira. Revelou, às escâncaras, o quanto a Justiça Criminal é falha no Brasil!

Em relação à menor, a juíza da Comarca não sabia onde estava a sua presa. Sua, porque alguém só pode estar presa por determinação judicial. Não sentiu a mínima responsabilidade sobre sua situação, seu destino, nem quem era. Decretou sua prisão sem saber de quem se tratava, nem que era menor. E a promotora de Justiça, ou o promotor, idem.

É assim que funciona a Justiça Criminal no Brasil. O juiz e o promotor recebem os processos decorrentes dos inquéritos feitos na delegacia, já prontos e acabados. Ou não, dependendo das dificuldades em obter provas, ou do interesse em demorar em obtê-las, ou não as obter, para não se condenar os réus. Muitos dos advogados se esmeram em trabalhar junto às delegacias em defesa de seus clientes, pois é ali que se produzem as provas que condenam ou absolvem as pessoas. A expressão popular "advogado de porta de xadrez" não é à toa. Os juízes e os promotores se limitam a ler e a estudar os processos e a decidir com base naquilo que receberam, vindo da delegacia. Cada um no seu canto, o delegado na delegacia, onde é o bamba, e o promotor e o juiz no fórum. Não trabalham entrosados; muito ao contrário, separados.

Isto acontece somente no Brasil, pois em todos os outros países avançados, que procuram cultivar os padrões de um estado de direito, juiz, promotor e delegado trabalham juntos. Nesses países, o processo criminal é único, é um só processo do começo ao fim. Quando muito, há um Juizado de Instrução e outro de decisão. No Brasil, é separado. Há o inquérito policial na delegacia, e há o processo criminal a partir de quando o inquérito chega às mãos do juiz. O processo se assenta sobre o inquérito. Aliás, capeia o inquérito, e nada mais. E há a repetição de depoimentos que são feitos perante o juiz, os mesmos depoimentos já tomados nas delegacias, uma enorme perda de tempo. O juiz pouco ou nada acrescenta, pois não sabe das circunstâncias, não dialoga com o delegado ou com os policiais que fizeram as investigações.

Caio Prado Jr. observou que quando houve esta separação no Brasil com o Código de Processo Criminal do Império, dando mais autonomia à polícia, deixando-a com menores controles pelo Judiciário, observou-se um movimento autoritário no país, fortalecendo o Executivo, que administra a polícia.

Quando se requer que juiz, promotor e delegado trabalhem juntos, um observando, fiscalizando ou controlando o outro, não se presume que uma instituição seja mais carregada de moralidade ou legalidade do que a outra. Mas não há dúvidas de que as instituições que integram a Justiça Criminal quando se unem se tornam mais eficientes, o processo fica mais racional e a justiça, mais bem alcançada. E paira sobre elas um manto mais forte de legalidade e moralidade.

O ministro Tarso Genro marcaria um tento se conduzisse essa questão no Brasil. E o governo Lula marcaria a História.

VIVALDO BARBOSA é advogado.