Título: Lula quis salvar o doente na hora do enterro
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 14/12/2007, O País, p. 9

A VIDA SEM CPMF: Para analista, governo errou ao associar a votação da CPMF à manutenção de Renan no Senado

Para Roberto Romano, negociação do governo foi uma sucessão de equívocos

Flávio Freire

SÃO PAULO. O processo conduzido pelo governo na tentativa de aprovar a prorrogação da CPMF no Senado foi recheado de equívocos, na opinião de um dos mais respeitados cientistas políticos do país, o professor de ética e filosofia da Unicamp Roberto Romano. Ao apontar erros que colaboraram para a derrota do governo Lula no Senado, ele avaliou como desastrosa a estratégia desesperada do presidente para convencer - com uma carta assinada de próprio punho pouco antes da votação - a oposição a mudar de lado:

- Lula quis salvar o doente na hora do enterro.

Numa lista de atropelos que creditou ao governo, Romano criticou a tentativa de associar a votação da CPMF à manutenção de Renan Calheiros (PMDB-AL) no cargo de presidente do Senado, à falha de coordenação da bancada governista no Senado e à aposta excessiva no poder de pressão dos governadores sobre os senadores. Além disso, considerou um erro também a troca de ministro (Walfrido Mares Guia por José Múcio) "na hora do fogo" e a nomeação do "campeão de gafes" Guido Mantega como porta-voz da CPMF.

A seguir, trechos da entrevista com o cientista político:

O EFEITO RENAN: "O governo foi perdendo o ímpeto de ação nesse processo quando decidiu unir a votação do projeto de prorrogação da CPMF à manutenção do Renan Calheiros no cargo de presidente do Senado. Segurar o Renan no cargo fez o governo mais perder do que ganhar dentro do Senado, já que havia muita resistência em relação a esse assunto, principalmente junto à opinião pública".

AS TRAPALHADAS DA BANCADA GOVERNISTA: "A bancada do governo no Senado não estava coordenada. Ao mesmo tempo em que havia uma tendência como Aloizio Mercadante e Eduardo Suplicy, que, envergonhadamente, apoiavam a CPMF, Flávio Arns também era favorável ao tributo mas deixava claro que não era conduzido pela líder Ideli Salvatti. Ela não soube cumprir a tarefa de unir a base em torno do projeto do governo, e isso fragilizou o governo nas negociações".

PRESSÃO SEM EFEITO DOS GOVERNADORES: "O governo apostou excessivamente na pressão dos governadores sobre os senadores. Não houve um diálogo construtivo com a oposição. E não se pode esquecer que José Serra e Aécio Neves, ambos tucanos, já tinham jogado para a torcida quando apoiaram publicamente o governo. São governadores que não sofrem com problema de caixa, portanto, ganharam com o apoio e não perderam com o fim do imposto".

TROCA DE MINISTROS: "O governo não deveria ter trocado o (Walfrido dos) Mares Guia por José Múcio na hora da votação, na hora de fogo.

O DESASTRADO MANTEGA: "O ministro Guido Mantega é um dos mais desastrados do governo. É o campeão das gafes e disse coisas muito incovenientes, como, por exemplo, que o governo iria cortar investimentos nos estados se não conseguisse aprovar a CPMF. Isso chega à oposição como um ultimato, pega muito mal tratar a oposição desse jeito em qualquer lugar do mundo. O tom de ameaça não cabe num estado de direito".

EXPERIÊNCIA NO SENADO: "O prestígio do presidente, usado pelo governo para tentar aprovar a CPMF, é um argumento forte para a oposição, mas não podemos esquecer que no Senado temos políticos que foram ou serão administradores, e, por isso tiveram que mostrar liderança para seus eleitores".

O PESO DOS EMPRESÁRIOS: "Lula foi inábil ao romper com o empresariado, desprezando o Paulo Skaf (presidente da Fiesp, contra a manutenção da CPMF), que foi aliado dele. Ficou claro para os empresários que seus interesses são menosprezados em favor dos interesses do governo, que os jogou na rua da amargura".

A CARTA DE ÚLTIMA HORA: "Foi um desastre. Foi a confissão de que tudo o que foi dito era apenas pretexto. O Lula quis salvar o doente na hora do enterro".

CONFIANÇA DE LULA: "O presidente Lula entrou no processo de negociação com alto grau de confiança. Acontece que o governo já extrapolou na distribuição de cargos e os recursos para os estados já estão muito bem divididos. A oposição sabia que não tinha muito o que negociar".