Título: Batismo de fogo de Cristina
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 14/12/2007, O Mundo, p. 39

Presidente argentina reage com irritação à acusação de ser destinatária de dinheiro ilegal.

Janaína Figueiredo

Alua-de-mel durou pouco. Três dias após assumir o poder e um dia depois de a Justiça americana ter afirmado que o objetivo do empresário venezuelano Guido Alejandro Antonini Wilson - cuja mala com US$790 mil foi retida pela polícia federal argentina - era financiar a campanha eleitoral de Cristina Kirchner, a nova presidente do país defendeu sua aliança com Caracas e acusou outros governos (em clara referência aos Estados Unidos) de quererem "países empregados e não amigos".

Ministros do Gabinete de Cristina acusaram o governo americano de proteger Antonini Wilson - cuja extradição foi solicitada pela Justiça argentina - e desprezar o relacionamento com a Argentina. Na visão da Casa Rosada, o governo de Cristina está sendo castigado por seu estreito relacionamento com Chávez e, também, pela defesa de uma negociação entre o governo do presidente colombiano, Alvaro Uribe (aliado dos EUA), e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), como única maneira de pôr fim ao seqüestro de centenas de pessoas, entre elas a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt.

- Esta presidente pode ser mulher, mas não vai se deixar pressionar. Continuarei reafirmando nossa relação com todos os países da região e também nossa relação com a Venezuela - disse Cristina, durante um ato na Casa Rosada sobre programas de erradicação de lixões na província de Buenos Aires, acrescentando em tom irônico: - Existem alguns lixões na política internacional, que mais do que indicar crescimento e desenvolvimento, indicam involução.

A divulgação do relatório da Justiça americana que vincula a mala com US$790 mil à campanha eleitoral da nova presidente caiu como um balde de água fria no governo Kirchner.

- Alguns países mais do que amigos querem países empregados. É sua maneira de operar na política regional, mas não terão uma reposta - enfatizou Cristina, visivelmente irritada.

O governo dos EUA reagiu às acusações.

- Este não é um tema das relações entre os Estados Unidos e a Argentina. É uma questão de aplicação das leis americanas nos Estados Unidos - alegou o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack. - Se há indivíduos envolvidos em atividades de contravenção à nossa lei em território americano, independentemente de onde venham, serão processados.

Para ministros argentinos, a detenção dos venezuelanos foi uma retaliação ao governo Kirchner por sua aliança com o presidente venezuelano.

- Se (os Estados Unidos) têm um problema com Chávez, que o resolvam com ele - declarou o ministro da Justiça, Aníbal Fernández.

Já o chefe de gabinete, Alberto Fernández, acusou os EUA de realizarem uma operação de inteligência "contra a Venezuela e a Argentina".

- Trata-se de uma ação de inteligência americana que tenta prejudicar a presença de Chávez na Argentina, na mesma semana em que foi criado o Banco do Sul (iniciativa fortemente defendida pela Venezuela), em que o governo realizou um agradecimento ao governo venezuelano pela ajuda dada à Argentina e em que (o governo argentino) decidiu se envolver no caso de Ingrid Betancourt - atacou.

De acordo com o chefe de gabinete argentino, os Estados Unidos "sentem desprezo pelo relacionamento com a Argentina".

- Se querem saber a verdade, extraditem Guido Alejandro Antonini Wilson - enfatizou Fernández, braço-direito da nova presidente.

Os opositores do governo de Cristina exigiram ontem uma explicação à Casa Rosada. A presidente enfrentou também os primeiros protestos contra seu governo em Buenos Aires.