Título: Contra o peso dos impostos
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 17/12/2007, O País, p. 3

A VIDA SEM CPMF

Lula enquadra Mantega e diz que não há razão para aumento da carga tributária.

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva enquadrou ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que anunciou que o governo vai criar um tributo permanente para financiar a saúde, nos moldes da derrotada CPMF. O presidente desautorizou o anúncio precipitado do novo imposto, feito por Mantega no fim de semana em entrevistas ao "Estado de S. Paulo" e ao GLOBO. Logo depois de votar no diretório nacional do PT para o segundo turno da eleição para presidente do partido, Lula foi enfático ao afirmar que primeiro Mantega terá que convencê-lo da necessidade do novo tributo. Nas declarações de ontem, ele mostrou ser contra, no momento, aumentos de impostos e da carga tributária, que provocariam uma grande reação da sociedade e da oposição.

- Eu avalio que ele (Mantega) vai ter que me convencer da necessidade disso. Ele falou para vocês (jornalistas) e agora vai ter que colocar (a proposta) na minha mesa. Eu vou decidir se vamos ou não vamos, se precisamos ou não precisamos. Eu quero ver todas as contas. Obviamente que eu trabalho com a expectativa de que, se a economia crescer mais, nós vamos arrecadar mais porque as empresas vão produzir mais, vão ganhar mais dinheiro e portanto vão pagar mais - advertiu o presidente Lula.

As declarações do ministro Guido Mantega antecipando a criação do novo imposto surpreenderam o Palácio do Planalto, que havia decidido negociar de forma reservada com a oposição uma solução para o financiamento da saúde, antes de torná-la pública. Para minimizar o estrago político, ontem o próprio Lula deixou claro que sua orientação era de que não deveria ser tomada nenhuma medida precipitada. Segundo o presidente, só na quarta-feira irá se reunir para discutir as propostas, depois de voltar da viagem para a Bolívia e o Uruguai.

- Não tem nenhuma decisão. A orientação que eu dei ao ministro da Fazenda é de que é preciso neste momento contar até 10. Não tem nenhuma medida precipitada - avisou Lula, demonstrando irritação com Mantega.

"Vamos encontrar uma saída"

Ao mesmo tempo, Lula mandou um recado para a equipe econômica que está finalizando o chamado "Plano B" para substituir os R$40 bilhões que o governo vai deixar de arrecadar no próximo ano com o fim da CPMF. Ele deixou claro que não vai aceitar aumento da carga tributária:

- O que eu quero é que tudo fique na normalidade. Não existe nenhuma razão para ninguém estar nervoso. Não existe nenhuma razão para que alguém faça uma loucura de tentar aumentar a carga tributária. De forma que vamos encontrar uma saída.

Diferente do tom alarmista que usou até o dia da votação da CPMF, ontem o Lula mudou o discurso e usou um tom mais cauteloso e de confiança na economia brasileira, mesmo sem os recursos do imposto. Para ele, esse é um momento de reflexão do governo e não de reação. Foi uma sinalização clara de que não deseja retomar o confronto com o Congresso.

- Eu estou tranqüilo de que o país vive um momento bom e de que o governo precisa entender que o momento é mais de reflexão do que de reação.

O presidente mandou recado claro aos mercados financeiros internacionais de que irá manter a condução responsável da economia, sem mexer na taxa do superávit primário. Setores do governo chegaram a defender a redução do superávit primário, dos atuais 3,8% do PIB para até 3,3% do PIB. Mas acabou vencendo a posição do deputado e ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, de que o governo deveria dar sinais claros de que manteria a política econômica para evitar turbulências que prejudicassem o Brasil.

- Nós sabemos o quanto é importante manter o superávit primário, o quanto é importante manter uma política fiscal séria. Porque nós estamos apenas encontrando o caminho para o país crescer.

Em outro momento, o presidente fez questão de enfatizar o bom momento econômico do país e que esse fato deve levar o governo a agir com tranqüilidade.

- Estamos terminando o ano em situação muito boa do país, diria até privilegiada. As coisas estão tranqüilas, o povo tem maior poder de compra, o consumo está crescendo. Nós vamos começar 2008 também em situação privilegiada. Ou seja, não tem crise, não tem susto - afirmou Lula.

O presidente acrescentou que o nível de atividade econômica em aceleração leva a aumento nos empregos e no poder de compra da população:

- O Brasil vive um momento quase que mágico. Para quem viveu durantes décadas em desespero, nós estamos muito equilibrados.

Lula voltou a criticar os senadores da oposição que votaram contra a CPMF. Mas adotou uma linha mais conciliadora. Reconheceu que a derrota foi o resultado "de um gesto democrático do Senado". Para ele, o governo não pode ficar "zangado" por causa da derrota, mas sim encontrar uma saída para o fim dos recursos. O presidente fez uma avaliação dos motivos dos 34 votos contrários à prorrogação da CPMF.

- Uns votaram porque não querem que o governo dê certo mesmo, outros votaram acreditando na teoria do quanto pior, melhor, alguns votaram com medo de serem cassados pelos seus partidos. Ou seja, teve um pouco de tudo.

Segundo Lula, a relação com o Senado continuará a mesma. Será de independência, mas harmoniosa. Ele acredita que a tensão com a votação da CPMF acabou e que agora é preciso encontrar o caminho para se relacionar com o Congresso. O presidente acrescentou que o governo vai encaminhar uma proposta de política tributária e que o governo vai lançar uma proposta de política industrial em janeiro. Mas na avaliação de Lula, houve um gesto impensado por parte dos senadores que votaram contra o imposto.

- Eu acredito que foi um gesto impensado - se foi pensado, foi de má fé - de algumas pessoas que votaram contra sabendo que causaram um prejuízo de R$24 bilhões da saúde. Obviamente vamos ter que encontrar uma saída, pois não vamos parar nenhuma obra do PAC e nem vamos parar nenhuma política social que estamos fazendo. E sabemos que temos que investir na saúde e melhorar a saúde - repetiu Lula.