Título: Por um comércio mais justo
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 17/12/2007, Economia, p. 17

Em alta no mundo, venda de produtos com preocupação ecológica e social será incentivada no país

Apontado como grande oportunidade de negócios para produtores de países em desenvolvimento, o Comércio Justo - que envolve produtos feitos de forma sustentável e ecologicamente correta por comunidades carentes - vem crescendo mais de 20% ao ano no mundo. Esses produtos, que recebem um selo da entidade Fairtrade Labelling Organizations Internacional (FLO), são procurados por um número cada vez maior de empresas de países ricos interessadas em demonstrar sua responsabilidade social. Só em 2006, segundo o site da entidade, o Comércio Justo movimentou 1,6 bilhão (US$2,3 bilhões) no mundo.

Um estudo preparado pelo Sebrae Nacional mostra que o Brasil, no entanto, ainda está longe de se tornar um agente importante nesse tipo de comércio, apesar do seu potencial. O principal problema é a falta de conhecimento desse mercado no país, segundo a chefe da Unidade de Acesso a Mercados do Sebrae, Louise Machado. Para solucionar o problema, o Sebrae planeja fazer uma campanha nacional para explicar à população a importância desse tipo de comércio. A propaganda hoje é feita boca-a-boca, por meio de ONGs transnacionais que trabalham com essa atividade no Brasil.

- A maior parte dos brasileiros não sabe reconhecer o selo que acompanha os produtos decorrentes do Comércio Justo. Essa cultura está apenas começando no país - lembra ela, explicando que o selo só é aplicado no Brasil a alguns pouquíssimos produtos exportados.

O Comércio Justo envolve mercadorias que não sejam produzidas com mão-de-obra escrava ou infantil, tenham preço justo (ou seja, remunerem decentemente todos os envolvidos em sua fabricação), sejam feitas em ambiente seguro, ecologicamente correto e num negócio de gestão democrática. Para tentar inserir o Brasil nesse mercado, o Sebrae e o Ministério do Trabalho estão concluindo o texto de uma instrução normativa que vai definir o que é Comércio Justo e quais mercadorias se enquadram nessa atividade, para que elas passem a ser vendidas no Brasil.

- Queremos deixar bem claros os critérios que acompanham os produtos do Comércio Justo, para evitar que alguém se aproprie desse título para conseguir vender seus produtos - explica Louise.

Produtor ganha seis vezes mais por açaí

A representante do Sebrae destaca que alguns produtores rurais, especialmente das regiões Norte e Nordeste, já exportam mercadorias com o selo do Comércio Justo, o que eleva seus preços significativamente. Não existem incentivos fiscais para que empresas européias ou americanas comprem essas mercadorias, mas muitas fazem isso e se propõem a pagar mais pelos produtos como uma forma de demonstrar responsabilidade social. Segundo Louise, produtores do Norte conseguiram elevar o valor da polpa processada de açaí de R$3 para R$18 ao ganhar o selo de Comércio Justo. Já o pó de guaraná subiu de R$9 para R$20.

- Mas ainda podemos fazer muito mais - assegura.

A Associação de Bordadeiras Flor do Ipê, da cidade-satélite de Taguatinga (DF), já está se preparando para vender seus produtos com o selo do Comércio Justo. Criada em 2001, a associação tem hoje 19 bordadeiras, que vendem seus produtos para mais de 20 lojas de todo o país, incluindo a Daslu, templo do luxo em São Paulo.

Num levantamento inicial, o Sebrae do Distrito Federal detectou que as associadas já têm os pré-requisitos para o Comércio Justo: trabalham com uma gestão democrática, em que todas participam das decisões, e não agridem o meio ambiente. Agora faltam apenas alguns ajustes - como, por exemplo, o processo de formação de preços - para que elas se enquadrem na nova regra.

Segundo a presidente da associação, Gal Rodrigues, o selo do Comércio Justo será muito positivo para os negócios:

- Vamos ter um reconhecimento maior do nosso trabalho, com uma remuneração mais alta, e até poder exportar por meio do novo selo.

Os principais compradores dessas mercadorias são Estados Unidos e países europeus (especialmente Inglaterra, Itália e Suíça), que importam de banana in natura e frutas secas a flores, artesanato e roupas. Já os principais vendedores de mercadorias de Comércio Justo da América Latina são México, Nicarágua, Peru, Chile e Paraguai.

Segundo dados da FLO, os produtos do Comércio Justo que mais têm crescido mundialmente são o café, cujas vendas no mercado americano subiram 70,9% nos últimos anos, a banana e o açúcar. Na Europa e nos Estados Unidos, os produtos do Comércio Justo são vendidos em supermercados e lojas de departamento, mas também nas chamadas World Shops, que chegam hoje a mais de três mil, espalhadas por 18 países. Existem ainda entre 70 mil e 90 mil pontos-de-venda no mundo.