Título: Bolívia em alerta por autonomias
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Fonte: O Globo, 15/12/2007, O Mundo, p. 46

Quatro departamentos rebeldes divulgam estatutos hoje. Forças Armadas são postas em emergência.

LA PAZ e SANTA CRUZ DE LA SIERRA. As Forças Armadas da Bolívia foram postas em estado de emergência por causa da programada declaração, hoje, de autonomias regionais por quatro departamentos da chamada Meia Lua - Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija - à revelia de La Paz. Num clima de tensão cada vez maior, pelo menos três dos quatro departamentos, além de proclamarem seus estatutos de autonomia, também devem anunciar os referendos aprobatórios, último passo para a entrada em vigor dos textos. Já o presidente Evo Morales voltou a chamar as autonomias de ilegais, convocou para hoje uma manifestação em La Paz e ordenou o reforço da seguranças nas repartições públicas dos quatro departamentos.

- Amanhã (hoje) à tarde nasce uma nova república autônoma. É a realização de um antigo desejo - disse o presidente da Assembléia Nacional Autônoma de Santa Cruz, Pablo Klinsky.

EUA desaconselham viagens ao país

Santa Cruz foi o primeiro departamento a aprovar, na quinta-feira, o texto geral do estatuto e a votar todos os artigos separadamente. Entre as mudanças anunciadas estão a arrecadação própria de impostos e a criação de uma nova polícia. Mas, segundo o vice-ministro boliviano da Casa Civil, Héctor Arce, alguns artigos do estatuto de Santa Cruz vão muito além do que seria permitido pela nova Constituição da Bolívia.

- Eles definem uma cidadania de Santa Cruz, estabelecem normas para migração, querem controlar a energia, a polícia e a política para distribuição de terra. Tudo isso vai muito além do que a Bolívia pode permitir.

A nova Constituição boliviana, que ainda precisa ser aprovada em referendo e que foi rejeitada pelos governadores da Meia Lua, estabelece a possibilidade de os departamentos terem autonomia, mas muito mais limitada que a pleiteada pelos opositores do governo central. Morales, em mais um discurso duro, disse ontem que não vai tolerar qualquer tipo de divisão no país.

- Aqui não há autoritarismo nem ditadura, mas não vamos permitir qualquer tipo de divisão ou de separação. A Bolívia continua unida - disse o presidente, que negou os rumores de que decretaria estado de emergência hoje por causa das manifestações na Meia Lua.

Segundo o porta-voz da Presidência, Alex Contreras, as tropas foram mobilizadas para os quatro departamentos apenas "para evitar que as manifestações terminem em depredação do patrimônio público".

- Não vamos conter os que se manifestarem de forma pacífica. Nosso objetivo é evitar depredações e ocupações ilegais - afirmou.

O clima de tensão na Bolívia fez com que governos e entidades não-governamentais de todo o mundo demonstrassem preocupação. O Departamento de Estado dos EUA divulgou uma nota aconselhando cidadãos americanos "a não viajarem em nenhuma hipótese para a Bolívia", alegando problemas de segurança. A Federação Internacional de Direitos Humanos também divulgou uma carta enviada ao presidente Evo Morales onde demonstra preocupação "com a escalada da violência na região". Embaixadores de 33 países reunidos em La Paz, liderados pelo representante do Vaticano, pediram ontem um encontro com o chanceler boliviano, David Choquehuanca, para demonstrar solidariedade e preocupação com a crise política no do país.

- Temos acompanhado com muita atenção e preocupação os últimos acontecimentos na Bolívia. Por isso, queremos demonstrar nossa solidariedade e oferecer ajuda para que o clima de paz e estabilidade retorne - disse o núncio apostólico do Vaticano na Bolívia, Ivo Scapolo, em nome dos embaixadores.

Ontem, Sucre voltou a ter manifestações violentas contra a nova Constituição. Pelo menos um carro foi incendiado e, segundo relatos, houve confrontos com forças do governo. As autoridades, no entanto, dizem que não há feridos.