Título: Jogaram fora o bebê junto com a água do banho
Autor: Camarotti, Gerson; Lima, Maria
Fonte: O Globo, 16/12/2007, O País, p. 3

Vice-presidente da FGV lamenta derrubada do imposto.

SÃO PAULO. Um dos poucos economistas não ligados ao governo que defende a CPMF, o vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, Marcos Cintra, critica a forma demagógica como foi feito o processo de discussão e votação do tributo. As críticas têm como alvo o governo, que não teve capacidade política de articular a maioria que tem no Senado, e a oposição, especialmente o PSDB, que se curvou ao que Cintra chama de "interferência muito grande" do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ex-deputado pelo PP do ex-governador paulista Paulo Maluf, Cintra lembra que a CPMF é um imposto "insonegável", "eficiente", tem alíquota baixa e produz arrecadação "superior a todo o IPI, e quase 60% de todo o Imposto de Renda da pessoa jurídica". (Adauri Antunes Barbosa)

Para o senhor, que defendia a manutenção da CPMF, quais foram as causas principais da rejeição?

MARCOS CINTRA: Politicamente, a coisa foi muito mal conduzida. O governo não foi capaz de articular uma base, o que é surpreendente porque tem 53 senadores na base aliada. Mesmo assim, só obteve 45 votos. Houve aí uma falha de articulação política. Mas o que mais me surpreendeu é que essa votação tenha acontecido de forma tão demagógica. Foram argumentos muito emocionais, carregados de sensações e ódios. Foi uma discussão tecnicamente muito pobre, e por isso o país acabou prejudicado.

Por que a discussão foi pobre?

CINTRA: Porque virou uma discussão essencialmente política. Inclusive insincera por parte de todos. PFL e PSDB foram os pais da CPMF e, em oito dos 12 anos em que ela existe, eles a patrocinaram, defenderam. Eram eles que achavam que a CPMF era um tributo necessário para o Brasil. E agora fizeram uma virada contrária de 180 graus. E vice-versa o PT, que sempre foi contra e hoje é a favor. A discussão foi carregada de interesses e compromissos político-partidários, o que é muito prejudicial para o país. Deveria ser uma discussão mais técnica, profunda.

Por que não houve a abordagem mais técnica?

CINTRA: Por causa de interesses essencialmente políticos. Houve interferência muito grande do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que impediu que o PSDB, inclusive rachado, fizesse a aprovação. Foi um jogo político envolvendo ciúmes e ressentimentos pessoais, que acabou levando a esse desenlace.

Quais são os argumentos técnicos a favor da CPMF?

CINTRA: Do ponto de vista técnico, a CPMF é um tributo que não poderia ser jogado fora assim, sem mais nem menos. Acabaram jogando fora o bebê junto com a água do banho. É um tributo muito eficiente, com uma alíquota baixa, que produz uma arrecadação superior a todo o IPI, é quase 60% de todo o Imposto de Renda da pessoa jurídica, sem que isso custe um tostão para a empresa, um tostão para o governo. É insonegável, absolutamente universal, de baixo custo, que não dá margem à corrupção.

Mas a sociedade era contra a CPMF.

CINTRA: É lógico que, se você pergunta à sociedade: "Você é favor do imposto?", ela vai dizer que é contra qualquer tributo. Vai ser contra a CPMF, contra o Imposto de Renda, contra o IPI.

Quais serão as conseqüências da rejeição?

CINTRA: Serão muito ruins. A alegação era de que a CPMF era um imposto ruim, que a carga tributária é alta. O governo hoje está fazendo preparativos e tudo indica que vai transferir carga tributária desse que era dito ser um imposto ruim para os impostos chamados bons. Então, pode aumentar o IPI, o PIS/Cofins, pode-se criar o IOF, como já foi feito no passado, para suprir uma carência de recursos de forma emergencial. Todas elas são soluções muito ruins, porque vão agravar ainda mais as distorções que o sistema tributário convencional tem, que é dar margem a mais sonegação, mais evasão, custos mais elevados.

O que se argumenta é que haverá um impacto positivo para a economia do país.

CINTRA: Não acredito que o impacto será positivo, pelo menos em curto prazo. Além do mais, o país vai pagar um custo muito alto. Não vejo nenhuma tendência de queda de preços nem elevação de salários reais por força de um tributo. Pelo fato de ser muito bem distribuído, significa um acréscimo muito pequeno em termos de orçamento familiar ou de cada empresa. Provavelmente o que vai acontecer é que a queda desse tributo vai aumentar um pouco a margem das empresas, mas dificilmente vai reverter em termos de queda nos preços para o consumidor final.

O senhor acredita em conseqüências macroeconômicas?

CINTRA: Essa rejeição ainda pode gerar efeitos macroeconômicos muito sérios. O primeiro deles é o temor de que o Brasil pode não ser capaz de continuar cumprindo suas metas de superávit primário. Em segundo lugar, a questão dos investimentos. Como são a parte mais maleável e mais flexível do Orçamento, é o primeiro item que vai sofrer cortes, e isso vai reduzir o potencial de crescimento da economia brasileira. Em resumo, foi uma decisão péssima, taticamente equivocada, estrategicamente muito ruim para o futuro do país.

Outro argumento muito utilizado era de que a carga tributária precisa ser reduzida.

CINTRA: O governo precisa realmente reduzir a carga tributária, ter mais eficiência e reduzir o tamanho do Estado. Mas isso não pode ser feito com um simples garroteamento das receitas públicas, como foi feito agora. Súbita, violenta, inesperada, só vai desarranjar a economia do país.