Título: Sem a receita da CPMF, a âncora agora é o crescimento econômico
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 16/12/2007, Economia, p. 36

DERROTA NO CONGRESSO: Arrecadação extra compensa perda da contribuição.

Para analistas, é possível manter equilibrada a relação entre dívida e PIB.

BRASÍLIA. Embora a derrota do governo na votação pela prorrogação da cobrança da CPMF vá deixar um rombo de R$40 bilhões nas contas de 2008, economistas ouvidos pelo GLOBO acreditam que não há riscos para as contas públicas. Segundo especialistas, a equipe econômica está com sorte, pois conta com uma âncora para administrar os gastos e manter o equilíbrio fiscal: a forte expansão da economia.

O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), que deve repetir os 5% deste ano, é um aliado porque garante o aumento da arrecadação de impostos e contribuições federais, na carona do aquecimento da produção e a formalização do mercado de trabalho.

Só este ano, o ritmo forte da economia ampliou em R$36 bilhões a arrecadação, de janeiro a outubro, 20% mais do que foi recolhido, no mesmo período, pela CPMF, que será extinta em 1º de janeiro.

Em quatro anos, o horizonte é déficit nominal zero

Para se ter idéia da importância do crescimento na equação fiscal do próximo ano, o economista-chefe para a América Latina do banco WestLB, Roberto Padovani, calcula que se a equipe econômica reduzisse em até um ponto percentual a meta de superávit primário em 2008 - de 3,8% para 2,8% do PIB -, a atividade econômica cobriria o impacto fiscal e manteria a trajetória de queda da relação entre dívida pública e PIB.

Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, essa relação, hoje em 43%, tem condições de cair a 42% em dezembro de 2008 e a 41% em 2009, possibilitando que, em um horizonte de quatro anos, se atinja o déficit nominal zero (casamento perfeito entre receitas e despesas, incluindo os encargos da dívida).

A confiança dos analistas mostra que - pelo menos até que seja apresentada à sociedade a proposta de equilíbrio do Orçamento sem a CPMF - a decisão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de garantir o cumprimento das metas fiscais apesar da CPMF deu tranqüilidade ao mercado.

Padovani lembra que o Brasil é hoje um país com consciência da importância de fazer superávits primários:

- O país discute agora o tamanho do superávit primário e não se ele existirá. Isso é muito positivo. - Mesmo perdendo a receita da CPMF, o governo conta com o bom desempenho da economia para manter a dívida em queda em relação do PIB - destaca Agostini, lembrando que isso deve ocorrer mesmo que o Banco Central reduza a trajetória de queda dos juros, como parece ser o caminho após a ata do Copom divulgada na última quinta-feira.

- O quadro não vai ficar crítico. Mesmo perdendo receitas como a CPMF, o governo vai compensar parte disso com o crescimento econômico - diz Agostini.

Essa também é a avaliação da diretora de ratings soberanos da Standard & Poor"s (S&P) e analista para o Brasil, Lisa Schineller. Ela diz que o crescimento forte do PIB e a manutenção das metas fiscais refletem uma política macroeconômica que mantém o Brasil na linha para obter o grau de investimento - nota dada pelas agências de classificação de risco aos países seguros para os investidores.

- O crescimento e o superávit primário refletem uma ação pragmática do governo e podem contribuir para uma melhora na nota brasileira - destaca ela.

Preocupação é com o aumento das despesas

Pela S&P, o Brasil tem nota BB+ em moeda estrangeira, ou seja, está a apenas um passo do grau de investimento. Segundo Lisa, países que hoje têm essa nota, como o México, não necessariamente resolveram todos os seus problemas fiscais, mas procuraram amenizá-los.

Mas, mesmo diante do otimismo em relação ao crescimento, os economistas ouvidos pelo GLOBO são unânimes ao afirmar que o comportamento das despesas é preocupante.

- Se há um nó na macroeconomia, ele é a política fiscal. O governo confia mais no aumento das receitas do que o controle das despesas - diz Margarida Gutierrez, da UFRJ.

Mesmo crescendo menos que em 2006, as despesas da União continuam acima da inflação. Até outubro, os gastos subiram 12,4%, acima do PIB nominal estimado, de 9,3%.