Título: Festa do Chá nos trópicos
Autor: Goldfajn, Ilan
Fonte: O Globo, 18/12/2007, Opinião, p. 7

Foi a nossa Festa do Chá. Não tão dramática quanto o despejo de toneladas de chá ao mar de Boston, em 1776, na histórica revolta dos colonos americanos contra os impostos cobrados pela Grã-Bretanha. Mas foi simbólico. Uma conjunção de fatores políticos e econômicos levou o Senado brasileiro a rejeitar a renovação da Contribuição Provisória de Movimentação Financeira (CPMF). A sociedade, na sua maioria, comemorou. Numa única noite, R$40 bilhões em impostos foram (temporariamente?) reduzidos da futura carga tributária. Renovou-se a esperança de que a espiral gasta-arrecada seja interrompida e o atual bom momento da economia possa ser mantido no futuro. Será?

A reação inicial do presidente Lula indicou compreensão sobre o clima da sociedade e do que teria a perder se o trem da economia descarrilasse, a esta velocidade, neste momento. Primeiro, reafirmou o compromisso do governo com a meta de superávit primário e a estabilidade da economia. Dois dias depois, desmentiu o ministro Mantega que, intempestivamente, tinha anunciado a recriação do imposto, sob nova roupagem. Pelo jeito, era apenas mais um exemplo de outra "CPMF" conhecida dos brasileiros: as Conjecturas Precipitadas do Ministro da Fazenda.

Tem ficado evidente, nas últimas décadas, que o resultado do jogo político é sempre um aumento dos gastos, a menos que o governo tenha chegado ao seu absoluto limite, por razões econômicas. No passado mais distante, a inflação abria espaço no bolso do brasileiro para o gasto correr solto. Foram necessários anos de inflação corrosiva, instabilidade econômica, décadas de crescimento perdidas e um absoluto desejo da sociedade por uma inflação menor (evidenciado pelo voto nas urnas), para que o governo interrompesse o uso da inflação como meio de financiamento dos gastos. O aumento explosivo da dívida pública foi a forma de manter a fúria gastadora do Estado por mais alguns anos. A dívida pública cresceu a tal ponto de gerar desconfiança quanto à sua sustentabilidade. Essa desconfiança exigiu uma mudança na postura fiscal: geração de superávits primários, lei de responsabilidade fiscal e acordo do governo federal com estados e municípios.

Com mais impostos (inclusive a CPMF) e instrumentos de fiscalização, a arrecadação cresceu consideravelmente, tomando o lugar da inflação e da dívida como fontes de financiamento dos gastos. A retomada do crescimento permitiu um espaço ainda maior para a arrecadação.

A situação atual é que a carga tributária cresce sem parar. É a vítima da vez do crescimento dos gastos públicos. Antes, os mais pobres (via inflação) pagavam a conta, depois, as futuras gerações (que vão pagar a dívida atual); hoje, a conta é do contribuinte. A história nos mostra que o processo só será interrompido quando esbarrar no seu limite absoluto: quando a sociedade se revoltar contra a carga tributária, quando não for possível renovar qualquer imposto. Será esse o caso evidenciado pelo fim da CPMF?

Os sinais - a não-renovação da CPMF pelo Senado, a reação positiva da sociedade e as atitudes iniciais do governo - indicam que podemos estar próximos do limite. Nesse caso, teriam se esgotado todas as possíveis fontes de financiamento: endividamento, inflação e arrecadação. Restaria adotar finalmente, após décadas, um limite rígido ao crescimento dos gastos públicos.

Em suma, a não-renovação da CPMF pelo Senado ocorreu devido a uma conjunção de fatores. Entre eles, o esgotamento do processo do forte aumento da carga tributária para financiar gastos crescentes. Podemos estar chegando ao seu limite, que culminaria na exaustão do último canal de financiamento disponível. Mantidas as aversões a inflação, dívida e carga tributária altas, a trajetória de gastos públicos teria um limite natural. Mas se devem contrabalançar essas aversões com o apelo popular ao aumento dos gastos. Teremos evidências mais claras se, de fato, atingimos o esgotamento desse processo gasta-arrecada nas próximas medidas do governo e na respectiva reação da sociedade.

ILAN GOLDFAJN é professor de economia da PUC-Rio. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br.