Título: Bolívia decidirá seu futuro em 10 referendos em 2008
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 18/12/2007, O Mundo, p. 32

População opinará sobre temas como autonomia dos departamentos, mudança da capital, mandatos de governantes e nova Constituição

SANTA CRUZ DE LA SIERRA. Depois de quase um mês de turbulência, conflitos e ameaças de ruptura institucional, a Bolívia deve começar o ano que vem com uma onda de democracia radical. O número de referendos previstos por governo e oposição para os próximos quatro meses pode chegar a dez. Os temas vão desde a definição de latifúndio até autonomias regionais, passando pela mudança da capital e pela aprovação da nova Constituição. Isso não significa, no entanto, que o clima político será mais calmo. Governo e oposição prometem uma série de batalhas jurídicas que podem impedir a realização dos referendos.

Sete dos dez referendos são de iniciativa da oposição ao governo Evo Morales. Os quatro departamentos (estados) da chamada Meia Lua (Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija) apresentaram no fim de semana seus estatutos de autonomia em relação ao governo central. Em junho de 2006, os eleitores desses departamentos votaram favoravelmente à autonomia em um referendo nacional, o primeiro da História recente da Bolívia.

Os governadores da Meia Lua iniciam amanhã a coleta de assinaturas. Segundo a lei 2769/04, sobre referendos, pelo menos 8% dos eleitores de cada departamento devem concordar com a consulta. As assinaturas são enviadas às respectivas Cortes Eleitorais Departamentais, que, por sua vez, encaminham os pedidos ao Congresso Nacional. Aos parlamentares cabe apenas avaliar o teor e a forma das perguntas. Mas, como o Movimento ao Socialismo (MAS, partido de Morales) é maioria no Congresso, a oposição busca um atalho legal.

- Temos duas alternativas: a primeira é a via rápida, pela qual o governador do departamento convoca o referendo; a segunda, mais demorada, passa pelo Congresso. Ainda é cedo para tomarmos uma decisão, pois é uma questão estratégica. Acreditamos que o Congresso não pode recusar um pedido direto do povo - disse o secretário de Autonomia e Desenvolvimento Democrático de Santa Cruz, Carlos Dabdoub.

Os governos de Cochabamba e Chuquisaca, onde a autonomia perdeu em junho de 2006, também querem realizar novos referendos autonomistas. Uma pesquisa divulgada anteontem pelo jornal "La Razón" mostra que o "sim" à autonomia venceria se a consulta fosse realizada hoje.

Mudança da capital para Sucre também terá consulta

Além dos seis referendos sobre autonomia, a oposição a Morales deve iniciar a coleta de assinaturas para uma consulta sobre a mudança da capital de La Paz para Sucre, capital de Chuquisaca e palco de violentas manifestações que deixaram três mortos no dia 23 de novembro.

A recusa do governo em debater a mudança da capital foi o estopim de uma série de manifestações iniciada em agosto e que inviabilizou os trabalhos da Assembléia Constituinte em Sucre. A população da cidade cercou o prédio da Assembléia, levando o governo e o MAS a aprovarem o texto trancados num quartel do Exército, sem a oposição.

Já o governo Morales tenta viabilizar três referendos. O principal deles tem como objetivo aprovar a nova Constituição. O segundo visa a revogar os mandatos de todos os ocupantes de cargos executivos nas três esferas de poder, e o terceiro vai definir as dimensões para que uma propriedade rural seja considerada latifúndio.

- Como se pode aprovar um estatuto de autonomia sem a vigência da Constituição? - questionou o diretor jurídico da prefeitura de Santa Cruz de La Sierra, José Maria Cabrera.

A realização de tantas consultas confunde os eleitores.

- Os autonomistas pedem que votem "sim" para a autonomia. O governo pede que vote "sim", mas para a Constituição. Quem é que defende o "não"? - indagou o motorista de táxi Orlando Cruzes, em Santa Cruz.