Título: Governo retomará as obras do São Francisco
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 19/12/2007, O País, p. 12

Mesmo buscando diálogo com dom Cappio, há 23 dias em greve de fome, ministro garante que decisão é irrevogável.

BRASÍLIA. Ao mesmo tempo em que o Palácio do Planalto ensaia um diálogo com o bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, em greve de fome há 23 dias contra o projeto de transposição do Rio São Francisco, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, disse ontem que o governo já tomou sua decisão: vai retomar a obra assim que forem resolvidas as pendências judiciais que a suspenderam - o que pode ocorrer ainda hoje - e independentemente dos rumos que tenham o protesto do religioso.

- Sou leal ao governo. Por isso, só tem duas maneiras de a obra parar: se o presidente mandar ou se a Justiça determinar em caráter irrecorrível - disse Geddel, enquanto ocorria um protesto contra a obra na Praça dos Três Poderes.

Geddel: "Não dá para ser "Ou pára ou eu morro""

Geddel disse que tem conversado com o presidente Lula sobre o assunto e que essa também é a posição dele:

- O presidente tem dito que é um homem que sempre aceitou negociar tudo, mas que nunca pôs a faca no pescoço de ninguém dizendo: "Faz isso, se não eu faço aquilo". Ele está convencido de que o projeto é socialmente justo, economicamente viável e ambientalmente sustentável. Por isso, vai tocar a obra.

O ministro evitou ataques diretos a dom Luiz Cappio, mas deixou claro que o governo não cederá enquanto o bispo mantiver a postura "radical".

- Estou e sempre estive disposto a ouvir críticas e a incorporar sugestões, mas o bispo tem que entender que não dá para ser "Ou pára ou eu morro". Daqui a pouco o Estado não faz mais nada - disse Geddel, que, no entanto, afirma que o governo tentará evitar um desfecho trágico: - Vamos fazer de tudo para, do ponto de vista humano e cristão, mostrar a ele que não deve desperdiçar sua vida dessa forma.

Geddel disse estar convicto de que discutiu o suficiente as questões técnicas da transposição, megaprojeto orçado em R$6 bilhões e que prevê oferta de água, até 2025, a cerca de 12 milhões de habitantes de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. De acordo com o governo, o volume de água a ser desviado do rio diminuiu muito ao longo do debate sobre o impacto ambiental da obra e, por isso, não há ameaça à vida no rio e às suas margens.

- Os canais vão deslocar 26 metros cúbicos de água por segundo, ou seja, 1,4% do volume de água do rio. Isso representa um litro e meio a cada 100 litros. No início, houve proposta de retirarmos até 300 metros cúbicos por segundo.

O Supremo Tribunal Federal decidirá hoje o futuro do projeto. Semana passada, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, suspendeu a obra atendendo a pedido do Mistério Público Federal. Na ação, os procuradores sustentam que a transposição traz danos sociais e ambientais aos municípios que margeiam o São Francisco, mas a Advocacia Geral da União recorreu alegando que só o Supremo poderia tratar do tema.

A greve de fome de dom Cappio também gerou polêmica dentro da Igreja. Em carta à cúpula da CNBB, o arcebispo metropolitano da Paraíba, dom Aldo Pagotto, faz duras críticas ao bispo e à própria CNBB, que apoiou dom Cappio convocando um jejum em solidariedade a ele. A carta foi publicada no site do Ministério da Integração: "Acredito que este expediente tenha aberto precedentes para outros tantos tipos de contestações políticas. A Igreja, oficialmente, através de seu órgão representativo, de direito e de fato - o Consep (Conselho de Pastoral da CNBB, que apoiou Cappio) -, confunde jejum cristão com ato de protesto, atitude discutível e constrangedora, provocando confusão e gerando perplexidade na população, católica ou não. Torna-se matéria privilegiada para a imprensa explorar "divisões na Igreja"".

Na carta, dom Pagotto também questiona a capacidade técnica dos representantes da Igreja para desqualificar a transposição e diz que a opinião dos arcebispos dos estados beneficiados não foi considerada.