Título: Vaticano teria ameaçado punir bispo
Autor: Franco, Berbardo Mello; Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 20/12/2007, O País, p. 14

CNBB soube que Papa poderia mandar carta contra a greve de fome.

BRASÍLIA. Estrela dos comerciais de TV que defendem o fim das obras de transposição do Rio São Francisco, a atriz Letícia Sabatella acompanhou o julgamento no plenário e não conteve as lágrimas quando o ministro Gilmar Mendes anunciou o voto decisivo para a vitória do governo. Depois da sessão, ela comandou um protesto na Praça dos Três Poderes, em frente ao tribunal. De mãos dadas, cerca de 150 trabalhadores rurais, estudantes e religiosos oraram pela vida de dom Luiz Cappio. O ator Osmar Prado acusou o Supremo de decidir com insensibilidade e ignorar a opinião dos movimentos sociais:

- Foi uma decisão técnica e fria. O Supremo seguiu sua tradição de conservadorismo.

Horas mais tarde, enquanto o governo rompia o diálogo com a Igreja, os militantes que de manhã tinham acompanhado o julgamento foram ao Congresso em busca de apoio. Osmar e Letícia, acompanhados de parlamentares do PSOL, chegaram a entrar no plenário da Câmara para conversar com o presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP). No Senado, Letícia foi recebida pelo presidente, Garibaldi Alves (PMDB-RN). O grupo também estendeu uma faixa de apoio a dom Cappio no Salão Verde, área de circulação intensa de deputados e jornalistas.

A desobediência de dom Cappio ao não interromper a greve de fome já tinha levado o caso à cúpula do Vaticano. O assunto era tratado pessoalmente pelo secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Tarcísio Bertone, segundo na hierarquia do Vaticano. Segundo bispos brasileiros envolvidos na negociação com o bispo de Barra, a Santa Sé passou a tratar o assunto como um problema de Estado envolvendo governo brasileiro e Vaticano.

Esta semana, a Santa Sé decidiu endurecer o tratamento dado a dom Cappio depois que ele se negou a atender ultimato feito pelo cardeal italiano dom Giovanni Battista Ré, prefeito da Congregação para os Bispos. Segundo influente prelado brasileiro que acompanhava o caso, essa carta foi um recado claro de que a Santa Sé poderia nomear rapidamente um "administrador apostólico" para a diocese de Barra. Ou seja, tirar o poder de dom Cappio como bispo.

Na CNBB, chegou a informação repassada pela Nunciatura Apostólica em Brasília - espécie de embaixada da Santa Sé - de que até já se cogitava uma carta pessoal do papa Bento XVI determinando o fim da greve de Cappio. A avaliação é de que o bispo de Barra extrapolou todos os limites e criou uma crise diplomática para o Vaticano. A Cúria Romana passou a considerar o gesto de Cappio uma posição política que atingia diretamente a soberania do governo brasileiro para tomar suas decisões administrativas. Isso ficou claro no relato feito pelo núncio apostólico dom Lorenzo Baldisseri a autoridades brasileiras.

"Dom Cappio passou de todos os limites"

Também incomodou a desobediência à hierarquia. Da primeira vez em que fez greve de fome, em outubro de 2005, Cappio já havia sido advertido.

- Dom Cappio passou de todos os limites - desabafou um arcebispo.