Título: No Piauí, cidade vale um helicóptero
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 20/12/2007, Economia, p. 37

RIQUEZA CONCENTRADA: Mirante encolhe

Santo Antônio dos Milagres tem PIB de R$3,5 milhões, o menor do país.

RIO e MIRANTE (BA). No abismo que separa as cidades brasileiras, de um lado está São Paulo, com R$263,18 bilhões - um PIB (conjunto de bens e serviços produzidos) maior que o do Chile. Sozinha, a capital paulista responde por um oitavo de todas as riquezas geradas no Brasil. Na outra ponta, está a minúscula Santo Antônio dos Milagres, no Piauí, com um PIB de apenas R$3,5 milhões - valor equivalente ao de um helicóptero Bell 407, usado por muitos executivos. Juntos, os 1.371 menores municípios do país não têm sequer 1% do PIB nacional, mas abrigam 3,5% da população brasileira.

Quando o parâmetro é o PIB per capita, Mirante, no Sudoeste Baiano, é a cidade que aparece no fim da fila. Com índice de analfabetismo superior a 70% e arrecadação de menos de mil reais com ICMS por mês, o município, a 471 quilômetros de Salvador, tem PIB per capita de R$1.204,07, pouco mais de um décimo da média nacional, que foi de R$11.658 em 2005, segundo o IBGE. Isso significa que, naquele ano, os moradores de Mirante geraram apenas R$3,30 por dia em riquezas.

Assim como Mirante, metade dos municípios do Nordeste têm renda per capita inferior a R$2.635. No Brasil, 1.370 municípios têm PIB per capita que não chega a um quarto da média nacional, ou seja, a R$2.914 - e todas essas cidades estão no Norte, no Nordeste ou na região mais pobre de Minas Gerais.

Êxodo faz Mirante perder repasse de recursos

Desde que foi emancipada, em 1988, Mirante só contabiliza perdas. Água encanada, energia elétrica, televisão, serviço bancário e emprego são privilégios de apenas 2% da população, levando famílias inteiras a emigrar da cidade, encravada no polígono das secas.

A recente contagem da população do IBGE encontrou 9.147 habitantes no município, metade do número antes estimado, o que vai piorar a situação. Com menos gente, as transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) cairão de R$500 mil para R$250 mil.

Enquanto a prefeitura tenta, por mandado de segurança, obter a revisão dos cálculos para manter o repasse, Mirante amarga perda de 90% em suas lavouras de subsistência e 30% nos rebanhos caprino e bovino por falta de chuvas há nove meses, um drama para os moradores da zona rural, que representam 85% da população.

Maioria dos jovens deixa a cidade em busca de emprego

Além da estiagem, os pequenos produtores foram surpreendidos pela "cigarrinha", praga agrícola que dizimou 80% das pastagens remanescentes. O pequeno criador Célio Lima perdeu 160 cabeças de gado.

- Foi um dos piores anos que a gente passou, e a "cigarrinha" foi o que mais nos prejudicou, mas nossa queixa é contra a falta de ações governamentais para pelo menos tentar segurar a nossa juventude, que está indo embora.

Segundo Dailton Alves Lima, da ONG Nossa Primeira Terra, de cada dez jovens de Mirante, pelo menos nove deixam a cidade em busca de emprego.

Os reflexos da crise no município baiano se agravam com a falta de agência bancária e se refletem no combalido comércio. O posto dos Correios que funciona como banco postal não tem atendido à demanda, o que faz com que o dinheiro circule em outras praças, como na cidade vizinha de Poções.

Segundo o secretário interino de Administração, Evandro Alves Marinho, o governo pretende cortar despesas para equilibrar finanças. A Prefeitura tem 362 funcionários, quando o ideal seria metade desse pessoal.

(*) Da Agência A Tarde